Uma caricatura do social da rede
O social da rede
por RENATO TERRA
Nome: Rodrigo Rodrigues. Moro em: Facebook. Em relacionamento sério com:
Twitter. Religião: Orkut. Gênero: on-line. Sobre mim: “Sorria sempre,
seus lábios não precisam traduzir o que acontece em seu coração”
(Clarice Lispector).
Como vocês já devem ter visto em meus perfis pessoais, sou ator,
jornalista, cineasta, blogueiro e diretor de arte de uma agência de
propaganda. Minha vida, aliás, é um Facebook aberto. Uso aplicativos
para informar meus seguidores onde estou, quantas colheres de açúcar
coloco no café e quanto tempo falta para cortar as unhas do pé
novamente. Todo mês, transmito o banho do meu pug ao vivo. Ontem mesmo,
abri uma discussão para decidir se colocava roupa branca ou escura na
máquina de lavar. Cento e setenta e nove pessoas comentaram.
Toda vez que saio de casa, publico fotos. Sem exceção. Não raro, saio de
casa apenas para publicar fotos. No bolso, celular com câmera 5.1
megapixels, e o dedo mais lépido que o Papa-Léguas para acionar o plano
de dados. Não deixo passar um pôr do sol. Plac! O celular é o melhor
amigo do homem social. É o cachorro que cabe no bolso.
Tenho mais amigos que Luciano Huck e mais seguidores que Buda. Numa das
vezes que fui às ruas em 2012, aliás, notei que um homem me encarava.
Escaneei, em vão, minha memória em busca de uma imagem que pudesse
associar àquele rosto. Arquivo não encontrado. Resolvi desviar o olhar,
mas não consegui bloqueá-lo. Ele se alçou em minha direção e, qual um
Angry Bird, materializou-se na minha frente. Ofegante, estendeu a mão e
perguntou: “Você não é o Rodrigo Rodrigues do Facebook?” Aturdido, fiz
sinal de positivo com o dedo indicador. Ele sacou o celular para uma
foto.
No começo, mamãe estranhava minha opção pelo virtual e implorou para eu
procurar um psicólogo. Encontrei um que atendia via Skype e aceitava
pagamentos via PayPal. Marcamos sessões semanais. As primeiras conversas
foram produtivas, mas em pouco tempo encontrei um aplicativo grátis que
desempenhava a mesma função.
Cheguei a fazer incursões esporádicas numa realidade sem configurações
antispam. Aos 15 anos, conheci uma simpática avatar num site de
relacionamentos e cometi o erro de marcar um encontro ao vivo. Por que
eu não me contentei com o mural de fotos? Para piorar, ela se comunicava
em mais de 140 caracteres e não tinha um filtro para bloquear o mau
hálito. Tentei reinicializar. Em vão. Resultado: desde que surgiu a
função “cutucar”, passei a flertar apenas on-line.
Hoje vivo sempre a curtir. Ver aquele dedo polegar levantado em sinal de
positivo funciona como um bálsamo para a autoestima. Anos de análise
não quebrariam tantas barreiras do subconsciente, complexos de
inferioridade e desejos reprimidos de aceitação social.
O oposto também tem funções terapêuticas. Em dias carentes, qual um
Roberto Shinyashiki randômico, atualizo meu status com trovoadas
motivacionais. Atuo como um polinizador de utopias. Frases como “Mude,
mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade”
são de arrepiar a alma. Quem não repensa toda uma vida depois de ler
uma síntese como essa? Cada vez que um amigo clica em “curtir”, me sinto
abraçado.
Treinei como um pequeno Yoda para potencializar meus dotes sociais e
criei dogmas que faço questão de seguir. Eles são tão importantes que
copiei e colei no meu perfil.
Regra #1: É fundamental fragmentar a atenção. Faço exercícios diários
nesse sentido. Quando me pego lendo mais de dois parágrafos de um texto
ou vendo filmes com mais de um minuto, desvio o olhar para outra coisa.
Sou capaz de postar uma mensagem enquanto dirijo, mesmo que esteja
conversando, ouvindo música e mexendo no GPS.
Regra #2: Olhe para as redes sociais como um Lévi-Strauss 2.0. É
fundamental compreender as características antropológicas de cada uma.
Use o Orkut para compartilhar piadas de salão. No Twitter, tente sempre
parecer inteligente e, no Facebook, aja sempre como a pessoa que você
gostaria de ser.
Regra #3: Encarne o Cesar Maia e interaja efusivamente com seus
seguidores. Comente, curta, compartilhe. Separe vinte minutos pela manhã
e escreva recados carinhosos para seus amigos aniversariantes.
Regra #4: Todo mundo tem um lado ruim. Para dar vazão a esse lado, crie um perfil falso.
Modéstia à parte, creio que sou reconhecido – quiçá internacionalmente –
pela ampla capacidade de mobilização em prol de temas humanitários. Se a
gente não se fizer o bem, quem o fará? Recentemente, cativei todos os
meus contatos, durante um mês, a assinar uma petição on-line contra uma
enfermeira que espancou um ornitorrinco até a morte numa pet shop em
Madagascar. Os jovens de 1960 quiseram salvar o mundo real. Minha
geração, menos ingênua, não foge da luta: está disposta a pegar em armas
virtuais para salvar os bichinhos com um clique no mouse. É uma utopia,
mas os sonhos não envelhecem.
O bom é que posso me indignar sem ficar zangado. Basta compartilhar um
vídeo do Arnaldo Jabor, uma imagem de um cachorro maltratado ou um texto
incisivo sobre o assunto do momento. Já questionei os patrocinadores do
Big Brother por bancarem um programa que estimula o estupro,
enviei e-mails para o governo do Congo cobrando atitudes para melhorar
aquele IDH chinfrim e publiquei fotos denunciando a clonagem de bonecas
infláveis no sudoeste do Suriname. Nem Gandhi fez tanto!
Aliás, gostei desse texto. Pena que o autor é desconhecido. Vou postar
no meu perfil dando crédito ao Verissimo para ver se alguém lê.
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