Orgulhos falidos



Orgulhos falidos
 
Em tempos de revoluções ainda o melhor lugar é colocar-se no vertical de si mesmo. Lugar da autocrítica, lugar em que os sistemas se colocam como legado, mas também como coisas a serem expurgadas da vida. Colocar-se no "vertical de si mesmo", segundo Foucault, é olhar o mundo como quem passa, mas é também colocar-se como quem deixa marcas históricas. Aceitar esta responsabilidade é libertador.
 
Perguntado sobre as razões que o levam a rua em tempos de revolução, um cineasta uruguaio respondeu: "não há nada como a cordialidade física que se tem pelo outro, por aquele que contigo luta contra hegemonias e por liberdades". E é justamente sobre tais tempos (o das primaveras revolucionárias) que caminhamos nos últimos anos, ainda mais em uma era de redes interativas. Por exemplo, de nossas casas podemos mudar o mundo, por serem as redes sociais um lugar também de resistência, mas na rua, a cordialidade é física. Defendemos ali na rua, de forma concreta, a vida e a integridade física de cada um que se manifesta. Por isto, a cordialidade é libertadora, por isto, revolucionária.
 
Entretanto, ao mesmo tempo em que as escolhas libertadoras se unem, os orgulhos de classe se aproveitam - e são coisas que devem ser expurgadas da vida. O crescente número de discursos, sites, "pages", postagens antidemocráticas, machistas, homofóbicas, com conteúdos intolerantes se proliferam com um orgulho devastador. Porém, o que esquecem é olhar para o "vertical de si", para aquilo que os une anterior às classes, aos credos e aos discursos: a fatal humanidade.
 
A humanidade "de si" é "herdada" organicamente, mas também é adquirida culturalmente. Nascer humano é um fator biológico genético, portanto físico, fatal e finito. Mas tornar-se humano é uma aquisição cultural, social, política, discursiva, portanto, é uma aquisição ideológica. Como se tivéssemos dois nascimentos em vida: um físico e outro de consciência, diria Bakhtin. O corpo físico se alimenta de ar, líquidos, nutrientes e sono. A consciência tem como seu maior combustível a linguagem e, consequentemente, as ideologias. E Isto é o que faz do homem um ser cultural, além de físico orgânico e existente, em outras palavras,  o que liberta o homem é o uso de sua consciência e não apenas o seu limite físico. Sendo assim, ao escolher e defender a liberdade, o ser humano já adquire - na profundidade existencial de si e na verticalidade de si - a potencialidade de ser, realmente, livre.
 
Orgulhar-se de uma classe econômica, ou mesmo de si, é anti-libertário; já que o orgulho serve para vangloriar-se, impede o diálogo e a escuta; impede o respeito aos "órgãos" dos outros, ou seja, "organizar-se" é diferente de "orgulhar-se", pois, o primeiro, é agir pela defesa física e da integridade da vida do outro como que para si mesmo; e o segundo, é fechar-se nas contas, dívidas e lucros apenas para si. As manifestação são, portanto, organizações pela liberdade da vida, mas os orgulhos são instituições falidas. 


Estar no vertical de si apaga as diferenças, pois se vê que em tudo e em todos os lugares de um mundo global, e cada dia menos local, que a humanidade é a mesma, com maior ou menor grau de consciência, mas toda ela, e em cada vida humana, em que há uma enorme potencial de organização pelo orgulho de ser e não de si. Nossos tempos, são de revolução e de falidos orgulhos.

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