Intolerâncias na FMUSP

Minorias são excluídas e vítimas de violência

Militante dos direitos humanos afirma que negros, homossexuais e pobres sofrem discriminação na Faculdade de Medicina da USP
Aluno diz que sofreu agressões físicas e verbais por sua militância / ReproduçãoAluno diz que sofreu agressões físicas e verbais por sua militânciaReprodução
O estudante do quarto ano de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Felipe Scalisa, afirmou, em entrevista à série Trotes, Lições de Estupidez, do Jornal da Band, que as minorias são descriminadas e sofrem perseguição dentro da Faculdade de Medicina da instituição. 

"Mulheres, negros, LGBT’s, pobres, todos os grupos que têm alguma vulnerabilidade social são facilmente elimináveis, facilmente colocados em segundo escalão”, disse o universitário. 

Militante dos direitos humanos, Felipe, que é homossexual assumido, teria sido satirizado publicamente por alunos da Faculdade de Medicina (veja no vídeo abaixo). No Show Medicina, tradicional evento do curso, um personagem com trejeitos e fala caricaturadas deixa “clara” a alusão a Scalise, de acordo com deputados que compõem a Comissão Parlamentar de Inquéritos (CPI) que investiga abusos em trotes nas universidades paulistas.


A imitação foi tratada em uma sessão da comissão. No dia 10 de fevereiro, o estudante Michel Oliveira Souza, 28 anos, do quinto ano da FMUSP, classificou de "alegoria fictícia" o papel que desempenhou no Show Medicina.

Segundo Souza, "seu papel é o de um personagem que acha, de forma erudita, que suas verdades tinham de ser a de todos". Aos parlamentares, o universitário alegou que seu personagem "não se baseou em ninguém em particular" e que o papel foi escolhido pelo grupo. 

O advogado do Show Medicina, João Daniel Rassi, também nega que haja conduta homofóbica e machista no espetáculo. 

Exclusão
Por sua militância, Felipe afirma que perdeu todas as benesses sociais oriundas do ambiente universitário, como contatos profissionais, por exemplo. “Com certeza tem uma ação, principalmente dos alunos que mais estão perdendo seus privilégios por essas denúncias, que querem agir em prol da minha eliminação no espaço da faculdade, para que eu vá para outra universidade, para que eu vá para outra cidade”, afirmou.


Além da humilhação, Felipe afirma que já sofreu violência física e verbal de alunos da faculdade por conta de sua militância. “Eu recebi uma ameaça de que deveria tomar cuidado onde piso porque meu couro vale ouro”, disse.

USP não está preparada para denúncias de estupro, dizem alunas

Sensibilizadas com o tratamento dado pela Universidade de São Paulo (USP) a uma universitária que denunciou, em 2013, ter sofrido violência sexual de outros alunos da instituição, estudantes da Faculdade de Medicina da universidade mais renomada do Brasil criaram o Coletivo Feminista Geni, com o intuito de acolher e auxiliar vítimas de abuso.


“A repercussão que o caso teve deixou muito claro que a universidade não está pronta para receber uma denúncia desse tipo. Quando eu digo a faculdade, são as instituições, a diretoria, o Centro Acadêmico, a Atlética, os alunos, os processos administrativos e burocráticos, etc..", disse a estudante de Medicina Ana Cunha à série Trotes, Lições de Estupidez, do Jornal da Band

Segundo Ana e as também estudantes Patricia Sousa e Mariana Hiromi, a universidade deixou exposta e desamparada a denunciante. “Foi aí que a gente dimensionou o quão grande era essa questão dentro da faculdade, como essas meninas estavam sendo silenciadas, como não havia canal de denúncia, de acolhimento. Aí que a gente percebeu a necessidade de criar alguma instituição que atendesse essas demandas que estavam surgindo”, afirmou Mariana. 

Apesar de valorizarem a importância do coletivo, as estudantes apontam que não podem tomar nenhuma atitude que puna os responsáveis por atos de violência sexual. “Não somos equipadas para, de alguma maneira, suprir falhas institucionais. Eu acredito que o nosso papel foi colocar o debate, trazer essas falhas e apontá-las como parte de um processo maior para que isso não se repita, para que essa negligência não se perpetue de alguma maneira”, disse Patricia.  

Represália
Além da falta de ação contra agressores sexuais, está institucionalizado entre os alunos, segundo as estudantes, uma lógica de perseguição aos universitários que não se adequam ao comportamento trotista.

"Essas pessoas serão segregadas inclusive no ensino acadêmico. Essa é uma ameaça muito maior do que a simples exclusão social. É uma ameaça profissional, quanto ao nosso futuro. (...) É um temor generalizado”, afirmou Mariana.

Mulher é desvalorizada ao denunciar violência sexual, diz professora da USP

A culpabilização das vítimas de violência sexual é um dos maiores empecilhos no combate a esse tipo de crime nas universidades e em todo o Brasil, de acordo com a professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), Heloisa Buarque de Almeida. 

Em entrevista à série Trotes, Lições de Estupidez, do Jornal da Band, Heloisa afirma que, principalmente quando parte de universitárias, as denúncias de abuso sexual acabam muitas vezes sendo desvalorizadas. 

“Se a pessoa chega à delegacia e tem marcas visíveis de violência física, as pessoas pensam 'isso é estupro'. Se, no entanto, a coisa aconteceu a partir de uma festa, em que a moça bebeu, como em muitos casos aqui da universidade, ou se ocorreu a partir de uma relação com um amigo, as pessoas passam a questionar a sexualidade da moça”, disse. 


De acordo com Heloisa, muitas garotas são vítimas de uma “naturalização do comportamento masculino”, e de “machismo”, já que os homens passam a entender que podem e devem se aproveitar de uma mulher desacordada, por exemplo.   

“Se a moça não pôde dizer sim, ela disse não. O que está subentendido é o não. E se alguém diz não, você não abusa.”

Para a professora, ao se sentirem questionadas sobre a violência que sofreram, as vítimas passam a se sentir culpadas pelo abuso sofrido e evitam buscar justiça. Com isso, os agressores sequer são identificados pela polícia e, por isso, ficam impunes.

Uma das propostas da professora é a criação de um escritório que centralize as denúncias de violência sexual nas universidades. Com isso, segundo ela, as vítimas podem ter atendimento médico, psicológico e jurídico adequado, o que não ocorre atualmente. 

Trote é um ato de tortura, afirma presidente da CPI dos Trotes

O trote nada mais é do que “um ato de tortura”, afirmou o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) montada na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), o deputado Adriano Diogo (PT), à série Trote, Lições de Estupidez, do Jornal da Band. Segundo ele, a prática “é um ato de submissão”, marcada por um “pacto de silêncio”.

“(O trote) É uma imposição, com supressão do direito à agua, alimento; às vezes a pessoa tem que ficar nua. O trote em si é um ato de submissão. (...) Só falta fazer como no tempo da ditadura e pôr um capuz preto no rosto da vítima para que ela não saiba o nome e a origem dos algozes”, disse o deputado.


Para o parlamentar, o sofrimento gerado no trote a estudantes que não compactuam com a prática, mas são obrigados a participar dela, pode ser comparado ao de uma tortura praticada na época da ditadura militar.

“O torturador te tortura na hora e te manda para o presídio, e você nunca mais vê. Qual a diferença da faculdade? O torturador, você convive com ele por muitos anos. E ele fica te ameaçando por todos esses anos, te constrangendo. Então, se você aceita a tortura, se você não denuncia a tortura, e se você assimila o ensinamento do torturador e se torna um torturador, você é aceito no grupo de elite.”

Apesar de acreditar que o “pacto de silêncio está rompido”, com a abertura de novos canais de denúncia, o deputado acredita que, no Brasil, a vítima é vista ainda como culpada pelo mal que sofreu. 

Para mudar essa realidade e punir os responsáveis por atos violentos e criminosos durante trotes, Diogo pede que o governo federal intervenha nas universidades e que haja uma tipificação específica dos crimes cometidos por estudantes durante os atos de iniciação. 

“Ninguém pode aceitar ser torturado involuntariamente. Não existe essa relação de hierarquia e de poder. O que a gente pode dizer é que existem várias formas de tortura, e essa é uma delas. Das mais cruéis. Feita por gente que estudou; que estudou muito. Que estuda nas melhores universidades, estudou nos melhores colégios. Que a gente renuncie a esse pacto de silêncio”, afirmou. 

Trote é porta aberta à corrupção, diz professor da USP


Os trotes nos novatos que ingressam nas universidades de todo o país são “uma porta aberta à corrupção”. Esta é a análise que o professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), Antonio Almeida, faz sobre os ritos de iniciação dos estudantes que ingressam no ensino superior. 

“Os postos onde a corrupção pode ocorrer, se você tiver lá uma pessoa que fez juramento de silêncio, que obedece, que continua obedecendo, essa pessoa é perfeita para os processos de corrupção que existem no Brasil. Então, essa formação do trote é um currículo oculto da universidade que precisa ser combatido com muita dureza se nós quisermos melhorar os níveis de corrupção que temos na sociedade brasileira”, disse Almeida à série Trote, Lições de Estupidez, do Jornal da Band.

Segundo o professor, ao aceitar e replicar um tipo de comportamento - mesmo que contrariado -, o estudante que é cooptado pelos veteranos se mostra dependente dos mais experientes.

De acordo com Almeida, não existe nenhum tipo de trote que seja 100% saudável, já que há uma grande diferença entre o que uma pessoa considera brincadeira ou ofensa.  Para chegar à esta conclusão, o professor fez pesquisas com alunos da USP e comprovou que a opinião sobre determinado tipo de ato varia bastante entre os universitários. 

“Não há uma fronteira nítida. Essa fronteira é muito subjetiva. Ela depende do aluno que está sofrendo a humilhação. Eu distribuí 400 questionários perguntando três práticas do trote que os estudantes consideram brincadeira e três que consideram violência, e o relato disso mostra que o que é brincadeira para um, é violência para outro. Então, essa ideia de que é possível separar o trote brincadeira do trote violento, não é verdade”, afirmou.

As pesquisas do professor apontam que 80% dos alunos não aprovam o trote. Segundo ele, apesar da ideia de integração, o rito de passagem segrega os alunos. “O trote é um processo de formação de opressores.”


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