Redação comentada e o preconceito latente nas palavras. Mas cada palavra é valor.


"Herdeiro não é aquele que recebe, mas aquele que escolhe."


[Jacques Derrida]

O que é o preconceito?


Um hábito ou costume adquirido pela falta de reflexão. Portanto, o preconceito é adquirido com o convívio, por meio da cultura que se recebe ou escolhe. Valeria a pena pensar a Moral e a Ética também como algo adquirido, como carácter adquirido. Assim podemos apontar que o ser humano é um animal cultural acima de tudo, pois adquire por interação e linguagem seu conhecimento. Portanto o homem sem preconceitos é aquele que escolhe, e não simplesmente recebe. 

Não, o homem não é preconceituoso em sua essência. Ele é racional, avaliador, criterioso, por isso o preconceito pode ser uma herança que soa quase que natural para alguns homens.

Contudo, o preconceito é algo recebido "sem filtro decente". Diz o dicionário que é algo construído a partir de análises sem fundamentos

Portanto, o ser humano que não 'pensa' muito provavelmente é preconceituoso. Mas o que é pensar, então? Para Hannah Arendt é ter consciência histórica e existencial. É olhar para si e se ver como agente histórico e como ser que vive e coopera, no sentido aristotélico do 'Zoon-Politikon' (que concebe o ser humano como animal político, animal social, animal tolerante e diplomático).

Os Direitos Humanos

Então, quando encontramos um homem que pensa ou uma mulher que pensa, eles estão vivendo a vida, mas sabem que a civilização é uma condição para o desenvolvimento do próprio ser humano. Viver em sociedade é questionar, duvidar, mover, aceitar, rebelar-se, indignar-se contra tudo aquilo que vai de encontro aos Direitos Humanos. Isto desde 1948, depois do 10 de Dezembro. Quando alguns políticos e diplomatas tiveram que dar conta de um marco pelo fim dos medíocres preconceitos (o Arianismo, foi o mais forte dos caminhos preconceituosos do mundo). 


Sendo assim, já entendemos que preconceito é algo adquirido. Muitas vezes o indivíduo não tem culpa por reproduzir um discurso, portanto, não tem culpa por ser preconceituoso, mas pode ser responsabilizado por ter proferido um preconceito. Este é o nosso mundo. Este é o nosso tempo. A palavra tem peso de ouro, quando é dita em certas ocasiões. São paradoxos importantes da Sociedade de Direito em que vivemos. Temos que arcar com as consequências do que dizemos, por isso vale cada dia mais os estudos e as atualizações de consciência de mundo.

O que a Linguística pode ajudar no combate ao preconceito? 


Muitas vezes pela falta de reflexão escrevemos coisas preconceituosas.  E nem notamos. Porém a Língua não é neutra. Nunca será, pois é um signo ideológico em que que lutam os grupos, as classes e os interesses. Ou seja, "a palavra é a arena mínima da luta de classes." [Bakhtin]

A primeira saída, para não sermos preconceituosos, é pensar a si mesmo e no que se escreve, no que fala e logo notaremos que em cada ambiente filtramos o que falamos, ou seja, escolhemos as palavras que cabem melhor em cada contexto. As palavras, o tom, o jeito e o gesto variam se falamos com nosso pai e é bem diferente quando falamos com nossas amigas, afinal há coisas que o pai não pode saber e há coisas que as amigas sabem que você fala, e vice e versa. Por exemplo, fica nítido como a Sociedade Paulistana de Classe Média tem índices alarmantes de preconceito: 90% são favoráveis à redução da maioridade penal; 80% são favoráveis ao uso de armas para se proteger em casa; 70% são contra Cotas para Negros em Universidades Públicas; 95% escolhem carreiras para o Status (Engenharia na Poli -USP e Medicina) e não por vocação ou por melhorias na Educação.  São dados claros de uma falta de reflexão histórica em um país em que 4/5 da História foi colônia e 3/4 foi escravocrata. São dados que por si só já revelam um "pré-conceito", um julgamento mal feito.  

Por isso, o filtro social do 'patrulhamento linguístico' também é essencial para a comunicação entre os seres humanos. A Ciência que melhor estuda isto é a Linguística, Ciência da Linguagem e a Análise do Discurso, contudo podemos notar que o jeito de falar é rapidamente entendido quando estamos de frente para o interlocutor. Mudou o interlocutor, mudamos o jeito de falar. Coisas do jogo da vida. Patrulhamos o que falamos ao nosso pai e logo selecionamos de modo diferente ao falar com nossa mãe.


PRECONCEITO: s.m. Opinião ou pensamento acerca de algo ou de alguém cujo teor é construído a partir de análises sem fundamentos, sendo preconcebidas sem conhecimento e/ou reflexão; prejulgamento.


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EXEMPLO de Redação que deixa escapar preconceito, mesmo sem querer:

"Novilíngua"

"A linguagem política destina-se a fazer com que a mentira soe como verdade e o crime seja respeitável.". Essa máxima apresentada por George Orwell na obra literária "1984", referia-se à criação de um idioma, no qual se condensava ou removia as palavras. Assim, sobre o controle linguagem o governo autoritário também controlava o pensamento, impedindo ideias indesejáveis. Seja na literatura, suposto mundo fictício, seja na realidade histórica, como o discurso de Hitler sobre o ideal da raça pura, na língua está intrínseco diversos sentidos culturais e políticos. Portanto, devido as condições ínfimas atribuídas às palavras, criou-se o "politicamente correto", que apenas mascara as verdadeiras ideias e intenções do sujeito e impede a luta contra as intolerâncias.

Há um uso raso do conceito de "politicamente correto", que embora apresente formas negativas, apresentou-se na história como uma forma bem positiva de melhoria de vidas, principalmente das mulheres (ações afirmativas e cotas foram feitas para as mulheres desde a década de 1960, que estão dando resultados hoje, século XXI).  O uso do termo "politicamente correto" parte da premissa de que a dignidade humana deve ser preservada, pois certos termos, ou palavras, empregados podem conotar sexismo ou racismo. Por isso, ao questionar o que se fala, logo se questiona como se age, pois a própria PRAGMÁTICA já estudou e disse que FALAR É AGIR e AGIR é FALAR. A língua obviamente não é neutra, ela é um ato social, uma ponte entre culturas. O "Politicamente Correto" foi criado como legado ético, como questão de princípios e não, simplesmente, como algo para impedir a luta contra as intolerâncias. O que acaba sendo uma contradição do termo. Acaba gerando preconceito a uma política que traz benefícios, por colocar em voga o debate das classes outrora trabalhadoras e que agora estão em ascensão (Mulheres, Negros, Classe Média C e D no Brasil). 


Uma sugestão: "que PODE MASCARAR as verdadeiras ideias e intenções do sujeito e PODE IMPEDIR a luta contra as intolerâncias." [Depois explicar 'como' no desenvolvimento do texto]  


Esta mudança salva o texto de cair em um preconceito que diz que o "politicamente correto APENAS traz mais intolerâncias". O que é grave e péssimo para o desenvolvimento humano avançado de nossos tempos.

O "politicamente correto" consiste em tornar a linguagem neutra em termos de discriminação. Evidentemente, a história prova infinitos acontecimentos envolvendo forte racismo, sexismo, anti-semitismo e homofobia, como o apartheid, o desnivelamento salarial entre homens e mulheres na mesma função, ação do ISIS no Oriente Médio contra qualquer profecia de religião, exceto o islamismo e a tentativa de "curar" gays e todos esses fatos desencadeiam processos de luta contra o preconceito. Mas, a luta se focaliza em combater nomes e não atitudes, que realmente precisam mudar. Agora, existe o "neofundamentalismo politicamente correto", imprimindo um olhar crítico viciado em busca de discriminação onde não há.

Não há língua neutra. Nem que se tente. A língua parte de um falante, inserido em um contexto, em uma cultura, em uma época, a língua é adquirida assim como os seus significados. Por isso se diz que a língua é OPACA, pois não pode ser transparente. A língua é ponte concreta, vista, ouvida. A língua é física, é corpo, é material. Os estudos avançados em Análise do Discurso e Linguística apontam isso. A luta que combate os nomes, os termos, as palavras, está também prontamente combatendo atitudes. Quando um indivíduo fala, enuncia de um lugar social, de um lugar histórico, de um lugar de família, de um lugar de cultura, por isso quando ele reflete àquilo que fala, logo nota que tem que fazer um "patrulhamento linguístico", um filtro, para quem fala. Por exemplo, não se fala do mesmo jeito com o Pai do que com o namorado. Há filtros do dizer. A Língua nunca é neutra. Ou seja, a discriminação existe onde ela é vista ou sentida, onde ela é falada ou ouvida. Cuidar do dizer é tarefa do vestibulando.  Tarefa e condição humana.



A Igreja Católica, por exemplo, para censurar escritos e colocá-los na lista do Index Prohibitorum, taxava-os de ofensivos, ou seja, politicamente incorretos, assim como ocorriam nas ditaduras. Porém, hoje a liberdade de expressão não permite mais uma censura aberta e por isso, ideias e pensamentos tendem a ser moralmente condenáveis. Se alguém discorda das cotas raciais e se refere ao negro como negro e não afro-descendente, rapidamente é visto como racista. Desta forma, a verdadeira causa de luta por direitos iguais entre todos os seres humanos perde combatentes, na medida em que tudo torna-se um jogo de eufemismos, ao invés de mudar as mentalidades excludentes.

Sugestões:

1) Quais ideias e pensamentos? Todas?! Não todas, mas aquelas que ferem os Direitos e a dignidade humana, que são as leis universais do Mundo depois da Segunda Guerra.  

2) "Pode ser rapidamente visto"


3) "Na medida em que 'tudo' pode se tornar um jogo apenas de eufemismos, quando o jogo é de relações de vida e respeito à elas."

Destarte, controlar a forma de falar não muda absolutamente nada. O ideal do "politicamente correto" é nobre, mas alterar expressões não retiram a carga negativa que ela possui, pois são as pessoas as modificadoras da linguagem e não ao contrário e assim, o foco deve ser na modificação de atitude." [SIC]

Controlar a forma de falar é simplesmente o que fazemos do início ao fim de um texto, de uma palestra, de uma aula, de uma conversa. Ou seja, controlar a forma de falar é o que fazemos em todas as atividades humanas em que precisamos nos posicionar. Portanto, só não muda nada para quem nada sabe que é pela palavra que o mundo se fez até então, afinal "no início era o VERBO!"


É um texto com certas lacunas e visão ainda rasa sobre o conceito de "Politicamente Correto", mas é muito bem escrito e apresenta um bom plano histórico de argumentos. Valeria uma nota 8,0 com as modificações devidas. Mas sem as modificações poderia cair para uma nota bem baixa, por não discutir amplamente certas passagens citadas acima. 


Uma palavra muda a nota. Imagine o que o uso dela não pode fazer por sua vida? A universidade é apenas o começo. Lugar de adquirir conceitos e desfazer preconceitos. 



Fabrício Oliveira, Doutor em Linguística e Filosofia da Linguagem pela UFSCar, foi o Coordenador Geral de Redação do Sistema Poliedro responsável por transformar o sistema em que mais aprova em Medicina no país. Hoje, Coordenador e Professor do Colégio Ser! Poliedro - Sorocaba. 



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