Quando a gentileza assusta

"Hoje, quando fui buscar Luca na escola, percebi que estava 20 minutos adiantado e encostei sob uma árvore, algumas quadras antes, para deixar o tempo passar. Enquanto ouvia música e conferia o Twitter, vi um movimento pelo canto dos olhos e ergui a cabeça a tempo de ver uma garota de uns 16 anos que caminhava na calçada e que, ao perceber que eu a olhava, baixou a cabeça, concentrou-se no horizonte e acelerou o passo.
Aquilo me entristeceu imensamente.

Que tipo de sociedade é este em que, em 2015, uma adolescente é condicionada a temer metade da população (em outras palavras: os homens) mesmo em plena luz do dia e no meio da rua?

Não foi, claro, a primeira vez que observei este tipo de comportamento: de modo geral, é comum que as mulheres adotem uma postura defensiva, de "vou-evitar-contato-visual", quando andam em público. É uma manifestação não só do receio constante de um ataque como uma maneira de evitar que os homens, sempre dispostos a ler algo no menor gesto de gentileza, encarem uma troca de olhares acidental como um convite para o assédio.
Hoje em dia, para não correr o risco de provocar constrangimentos/temores, busco adotar a mesma postura e olhar adiante o tempo inteiro.
Mas a expressão tensa e o caminhar acelerado daquela garota me doeram. Quando uma metade da população tem medo da outra o tempo todo, é porque estamos fazendo algo muito errado."
[Paulo Villaça]


Outro dia, ao abrir o elevador e esperar uma grande amiga depois de passar o dia todo comigo, ela disse: já notou como sua gentileza assusta as pessoas? Eu respondi que sim, e que era por isso que eu era cada dia mais gentil. Depois expliquei da seguinte forma:

A gentileza é minha forma de resistência no mundo. (Apenas disse isto.)




(Mas comigo pensei) Enquanto o mundo vai apressado, eu vou a pé. Na fila de metrô você não irá me encontrar no bolo de pessoas, mas atrás de todos, esperando cada um subir para depois eu me ir. Sou eu, pois eu sei, tenho vivido tempos tristes, o único que olha pra trás para ver se ninguém está por vir e quer carona no elevador ou no portão do condomínio. Sou eu um dos únicos professores que olha nos olhos dos alunos e quer a gentileza dele no papel, mesmo em um sistema de resultados. Antes de ser Coordenador, sou professor; antes de ser professor, sou humano; e na minha formação humana tem minhas quatro irmãs, minha mãe, minhas oito sobrinhas, uma ex-mulher, um filho e uma filha. E o que aprendi com todos eles é que ser gentil é uma forma de cuidado com o que me ensinaram. Lembro do que disse minha ex-mulher um dia tentando explicar a razão de ter me escolhido o pai de seus filhos: 



- "o teu modo de olhar para as pessoas com tanta paixão é tua maior virtude. Você olha para um mendigo com a mesma humanidade que olha para um aluno, um violão, uma criança, senhor". 

Claro que minha maior virtude seria também meu maior defeito para o mundo.  Mas isto faz parte do jogo duro da vida. Deve-se arriscar tudo o que se acredita, em segredo de poeta.


Quando notei que minha gentileza assusta o mundo, notei algo grave: que o mundo adoecia. E isto me entristeceu profundamente, como a Paulo Villaça.
Mas lá nos primeiros poemas que li, lá na infância notei também que  a melhor rima para "tristeza" é "beleza". Foi ali, quando menino que escolhi o meu caminho: tudo o que me entristecesse ao longo da vida transformaria em poesia, depois descobri a gentileza, depois os gestos adultos, depois descobri a sala de aula como sendo o lugar que poderia a maior poesia e gentileza da vida.

Devo ter educado mais gente em sala de aula, que um batalhão da PM seria possível matar em 16 anos no Brasil todo. E olha que a PM é a polícia que mais mata no mundo!

A arma mais poderosa é a Educação. E o homem mais poderoso do mundo é aquele que tem consciência como maior arma. E constante vontade de ouvir, aprender, saber.

A gentileza veio para me dar todas as respostas que a educação me questionava. Todas as vezes, a gentileza veio.

Em uma sociedade como a nossa, é preciso não confundir gentileza, ludicidade, bom humor, charme, poesia e humanismo com assédio. Temos que ter cuidado, mas deixar de ser gentil, amigo, humano, carinhoso, brincalhão também é uma forma de ser abraçado pela mediocridade triste que o mundo anda nos levando.


Gosto quando no capítulo XX, do Pequeno Príncipe, se diz em uma frase o caminho de todas as estradas da gentileza, da poesia, do sonho, da educação e dos textos:

"E todas as estradas vão dar em direção aos homens." [Saint-Exupéry]


Se entendeste esta frase, entendeste o universo de que somos formados em substância e cuidado. 



Se quiseres saber a cura para o mundo, apenas olhe para as pessoas, as escute. Isto salvará teus dias e por consequência terás histórias milagrosas para contar. 

Assim a gentileza ensina, assim a gentileza torna-se a principal substância de um texto, de uma lição, de um aprendizado, de uma vida.

Comentários

Entre em Contato pelo WhatsApp (11) 988706957

Nome

E-mail *

Mensagem *

MAIS VISITADAS