8% dos Brasileiros são alfabetos proficientes, o que isto quer dizer?


8% dos Brasileiros são alfabetos proficientes, o que isto quer dizer?

Para responder, preciso passar por dois pontos cruciais e três problematizações.

[Lá vem Textão! ♥]

Ponto um.
Para definir Cultura, há uma delicada metáfora do filósofo e professor italiano de Literatura, Nuccio Ordine Diamante, que diz: dois peixes jovens encontram um peixe mais velho que nada na direção contrária. Os dois jovens fazem o movimento de cumprimento formal comum entre os peixes. O mais velho co-responde com um: "Bom dia, rapazes, como está a água?!". Os três seguem seus caminhos, a dupla de jovens peixes nada mais um pouco e se entreolham e um diz ao outro "Mas que diabos é água?"


Ponto dois.
Para definir Consciência, há uma linda e profícua teoria de um pensador de cultura, literatura e linguagem russo, que lera toda obra de Kant até os 13 anos de idade, chamado Mikhail Bakhtin, que diz: que Ser Humano tem dois nascimentos:1) Biológico, nascimento do corpo físico no mundo, ao sair do ventre; 2) Moral, nascimento da consciência que se dá apenas depois do biológico, por meio das interações, das linguagens, da cultura que adquire, dos valores que troca.


Unindo os pontos.
Os jovens peixes não tinham CONSCIÊNCIA de que estavam na água. Podemos ir mais longe dizendo que, provavelmente, sequer tinham consciência de que eram peixes. Sequer, consciência de que são limitados pela Cultura que absorvem, pelo mundinho que nadam, pelos discursos que reproduzem. É comum, vermos peixinhos no cotidiano, não sabendo que estão REPRODUZINDO discursos, ódios, falsa informação, pura falta de Ética (entendida aqui, como caráter adquirido com a vida, avaliado, por interações e trocas), sequer sabem que estão ajudando a água a se manter suja, pois nem sabem que estão na água ou no volume morto de uma represa. Peixes jovens, portanto, sem consciência da água que nadam, da cultura que vivem, dos discursos que incitam, apenas servem para manutenção do Status Quo (das opressões de outrora).


Problemática Um.
Agora podemos iniciar uma resposta à questão do título deste texto: apenas 8% das pessoas em idade de trabalhar são consideradas plenamente capazes de entender e se expressar por meio de letras e números. Ou seja, oito a cada grupo de cem indivíduos brasileiros.


Eles estão no nível "proficiente", o mais avançado de alfabetismo funcional em um índice chamado Inaf (Indicador de Alfabetismo Funcional).

Um indivíduo "proficiente" é capaz de compreender e elaborar textos de diferentes tipos, como mensagem (um e-mail), descrição (como um verbete da Wikipedia) ou argumentação (como os editoriais de jornal ou artigos de opinião), além de conseguir opinar sobre o posicionamento ou estilo do autor do texto.

Há cinco níveis de alfabetismo funcional, segundo o relatório "Alfabetismo e o Mundo do Trabalho": analfabeto (4%), rudimentar (23%), elementar (42%), intermediário (23%) e proficiente (8%). O grupo de analfabeto mais o de rudimentar são considerados analfabetos funcionais.

Problematizando Mais.
A população universitária no Brasil em 1996, era de 1% da população, não chegava a 2%. Hoje, em 2016, temos cerca de 7% de estudantes universitários. Se fizermos uma projeção muito por cima, podemo dizer que os Alfabetos Proficientes são equivalentes ao número de Universitários no Brasil? Não. São semelhantes, mas não podemos afirmar que equivalentes, pois nos faltará pesquisas finas.


Problematização aterradora e final.
Com uma população com altos índices de Alfabetismo Rudimentar, Elementar e Intermediário (somados dão 88%) fica fácil notar o mergulho com que EXPLORAM as Grandes Mídias, grandes vetores de Cultura, Estilo, Consciência, Estética, Valores e Caráter. E fazem uso deste Alfabetismo precário, mantendo mais notícia de Fofoca do que notícias de interesse Público. Quando uma população acostumada a fofocas mergulha fundo em Política, sem treino, sem educação prévia, vem o Caos da polarização, vem a apneia da cidadania e até ações boçais.


Muitos peixes jovens talvez não tenham consciência do mal que fazem a si mesmos e à História, ao não se questionarem: "Que diabos é água?"

Mas outros muitos, têm consciência de a "água" está podre, 
há muito tempo. Os partidos políticos são resultantes disso e desse mal.

Talvez sejam os peixes mais velhos, cerca de 30 mil ontem, dia 25 de março de 2016, que estiveram protestando na porta Rede Globo de Telecomunicações, em São Paulo. Ou os 100 mil na Cinelândia no Rio, também ontem.

Talvez sejam os mais velhos, os que chamam de Golpe o jogo midiático jurídico, e nadam contra a corrente e vão (cerca de 2 milhões no Brasil todo) às ruas pela Democracia.

Talvez seja o peixe mais velho, aquele que olha a água, nada nela por escolha, e sabe que a mudança se dá pela Educação, pela Consciência, pela Contato com as Diferenças e a Defesa da Democracia como Direito e Bem Comum.

Talvez, os 8%, ao final deste proposital TEXTÃO, entenderão que não estão sozinhos e nunca estarão, se trouxermos mais gente pra fora da água e perto da Educação.


[Fabrício Oliveira, Doutor em Lnguística e Filosofia da Linguagem, professor do IFSP]

Comentários

  1. Impossível ler esse texto e não me lembrar de Bertold Brecht, dialogia pura:

    "Se os tubarões fossem homens, eles fariam construir resistentes caixas do mar, para os peixes pequenos com todos os tipos de alimentos dentro, tanto vegetais, quanto animais[...] Naturalmente também haveria escolas nas grandes caixas, nessas aulas os peixinhos aprenderiam como nadar para a guela dos tubarões.

    Os teatros do fundo do mar mostrariam como os valorosos peixinhos nadam entusiasmados para as guelas dos tubarões. A música seria tão bela, tão bela que os peixinhos sob seus acordes, a orquestra na frente entrariam em massa para as guelas dos tubarões sonhadores e possuídos pelos mais agradáveis pensamentos..."

    https://www.youtube.com/watch?v=fziZE352V20

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