Redação Comentada - Tema estilo ENEM: Mobilidade Urbana



Proposta ENEM
TEMA: MOBILIDADE URBANA: QUALIDADE DE VIDA e DIREITO À CIDADE.

ANÁLISE DE UMA REDAÇÃO


Mobilidade urbana: a nova escravidão

"Desde a década de 1950, o Brasil tem se urbanizado aceleradamente. Com essa rápida ocupação das cidades, surgiram problemas urbanos que em muito diminuem a qualidade de vida de inúmeros brasileiros. A macrocefalia urbana – marcada pelo inchaço e pela falta de estrutura em áreas das cidades – trouxe consigo a deficiência na mobilidade urbana. Nos grandes centros, o direito à cidade é cerceado diariamente aos cidadãos: eles ficam reféns de um transporte coletivo ruim e de um transito caótico, o que lhes rouba a qualidade de vida. 

Comentário: Parágrafo-tese muito bem feito, pois há contextualização histórica sobre o assunto e já uma exploração do tema nas primeiras linhas, nos dois primeiros períodos. Contextualizar o tema proposto demonstra conhecimento e boa análise da realidade. No terceiro período, o parágrafo atinge seu auge comunicativo, pois ao citar um termo usado em geografia ("macrocefalia urbana") logo em seguida é elucidado por um aposto explicativo. Isto angaria pontos em Coesão - por buscar ser claro com seu leitor -, Linguagem - por procurar esclarecer por meio de uma linguagem simples o que um LEITOR UNIVERSAL poderia não entender- e Conteúdo - por demonstrar um saber não só linguístico, mas de atualidade e história. A TESE fica muito bem exposta no último período, pois fica nítido a ligação estreita entre O DIREITO À CIDADE, a MOBILIDADE URBANA e QUALIDADE DE VIDA. Ótimo primeiro parágrafo. Exemplar! A falta de acento na palavra "trânsito" na penúltima linha não teve desconto por ser apenas uma ocorrência, contudo se houvesse reincidência ao longo do texto seriam descontados 40 pontos.

O aumento nos espaços urbanos não trouxe um aumento nos espaços civis – na análise de Bauman, seriam aqueles em que a civilidade é trabalhada. Vive-se mal nas cidades e se experimenta um inferno nas periferias: o transporte coletivo é mal estruturado, de modo que muitos acabam encontrando no automóvel – do ponto de vista do consumo, uma demanda reprimida de grande parte da população brasileira – a solução para o transporte. Essa solução gera um trânsito cada vez mais caótico, individualizado e inumano.

Comentário: Parágrafo ENEM bem feito, apresenta-se um dos principais problemas: a perda da civilidade; e um dos cruciais paradoxos que a civilização nos traz:  quanto mais carros, mais desconforto. O pensamento do sociólogo polonês Zygmunt Bauman é chamado ao diálogo, porém ao enunciar apenas BAUMAN o texto perde ponto em linguagem, já que não respeita plenamente o LEITOR UNIVERSAL, que é o interlocutor permanente da redação de vestibular. A saída seria simples e direta, ao citar um nome conhecido, faça um pequeno aposto, por exemplo: FREUD, médico psicanalista austríaco ou BAUMAN, sociólogo polonês. Perdeu ponto em COESÃO e LINGUAGEM.

Ponto alto do parágrafo: argumento autêntico e com boa criticidade: AUTOMÓVEL visto como demanda reprimida por grande parte da população. E a escolha do termo INUMANO em detrimento de CRUEL ou DESUMANO, pois o primeiro termo é mais sutil e quer dizer falta de generosidade, de humanidade, o que pode levar ao terceiro termo, à desumanização. Ou melhor, leva à reificação, que é tratar o OUTRO como coisa, ou objeto - crítica latente em toda obra de Zygmunt Bauman.

Outrossim, essa individualização do transporte gera perdas significativas para os cidadãos (qualidade de vida) e para a economia. São horas que os trabalhadores gastam no trânsito – tempo improdutivo -, cada vez mais estressante – diminuindo seu rendimento. Conquanto se veja no automóvel um símbolo de superação de mazelas sociais, seu uso é a metonímia de uma sociedade individualizada, ao estilo neoliberal, que busca falir as instituições estatais – público - (no caso, o transporte coletivo) em favor do privado.

Comentário: Boa coesão com o parágrafo anterior, logo no primeiro período, com uma novidade: perdas na qualidade de vida e na economia. O parágrafo traz exemplos dessas perdas. E há uma crítica voraz ao que o neoliberalismo faz com o poder público. Não cobrei aqui maiores esclarecimentos, pois a prioridade deste parágrafo é apresentar as perdas, explicitá-las. E isto fica claro, e vai além por apresenta uma justificativa e uma causa: o NEOLIBERALISMO.

Respeitando-se os direitos humanos, não se pode aceitar esse caos a que estão reféns os brasileiros diariamente. Sistematicamente, nos últimos dez anos, o governo federal tem buscado melhorar melhorias na mobilidade urbana (como no PAC), que ainda não se mostram suficientes às demandas da população. Nesse ínterim, em junho de 2013, o Brasil assistiu a uma série de manifestações populares, que traziam na pauta a questão do transporte como fator que diminui a qualidade de vida (inclusive, foi o estopim das revoltas).

Comentário: Como o ENEM cobra respeito aos direitos humanos, neste parágrafo o que foi apresentado é uma problemática que esbarra nos direitos à cidade: o caos urbano, chamado de inferno no segundo parágrafo, que causa reféns. Mas logo em seguida é trazida à tona um discussão pública e governamental - o PAC -, em que o governo discute qualidade de vida, mobilidade urbana, transporte de carga e melhorias infra-estruturais. O parágrafo termina com mais uma bela demonstração de criticidade e leitura da realidade do vestibulando, já que traz pelo exemplo das manifestações a cobrança, a que estamos vivendo neste nosso país em plena transformação. Belo parágrafo, mesmo que ele seja mais expositivo que argumentativo, não perde ponto, porque o TEMA já está bem debatido pelo texto e agora cobra soluções ou PROPOSTAS INTERVENTIVAS, que devem vir no próximo parágrafo.


Nesse sentido, a mobilidade urbana urge por melhorias, que estejam à luz dos direitos humanos. Da parte estatal, deve-se investir maciçamente em transporte público de qualidade (direito de todo brasileiro) e promover campanhas que incentivem a população a adotar o transporte coletivo em detrimento do carro. Do ponto de vista individual, os cidadãos devem se mostrar favoráveis às recomendações estatais de evitar o transporte individualizado e se manter na cobrança por melhores direitos nas cidades. Somente aliando-se essas duas esferas, poderá ser vencida essa situação análoga à de escravidão a que estão submetidos milhões de brasileiros diariamente." [sic da redação do aluno M.B, vestibulando Medicina]

Comentário: à luz dos direitos humanos são apresentadas propostas para o PLANO ESTATAL - investimentos e campanhas -  e para o PLANO INDIVIDUAL ou CIVIL - conscientização do uso do transporte coletivo. E a solução parece ser a UNIÃO dos dois planos para que isto não se torne um outro tipo de escravidão compulsória  ao capitalismo, ao consumismo, a que as grandes cidades nos forçam. Ótimas propostas de intervenção!

Notas:
ITEM A - LINGUAGEM -     Nota  160
ITEM B - TEMA -                  Nota  200
ITEM C - COESÃO -             Nota   160
ITEM D - COERÊNCIA -      Nota   200
ITEM E - INTERVENÇÃO - Nota   200

 NOTA 920



[Fabrício Oliveira, Doutor em Linguística e Filosofia da Linguagem pela UFSCar, Professor do IFSP - Instituto Federal de São Paulo, foi Coordenador de Redação do Poliedro e Professor do ETAPA]

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