Redação espetacular com nota quase máxima: UNIFESP.

Observe a charge, publicada no Diário de Guarulhos em 18.05.2011.
Livro aprovado pelo MEC aceita erros de concordância
          Charges como essa inspiraram-se na polêmica instalada devido à orientação sobre variação linguística em um livro didático produzido para a Educação de Jovens e Adultos, Por uma vida melhor, distribuído pelo Ministério da Educação (MEC). A passagem polêmica traz as seguintes informações:
        Sírio Possenti, professor da Unicamp, em artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, em 22.05.2011, afirmou: “O jornalismo nativo teve uma semana infeliz. Ilustres colunistas e afamados comentaristas bateram duro em um livro, com base na leitura de uma das páginas de um dos capítulos. Houve casos em que nem entrevistado nem entrevistador conheciam o teor da página, mas apenas uma nota que estava circulando (meninos, eu ouvi). Nem por isso se abstiveram de ‘analisar’.

            O professor apontou três pontos fundamentais sobre o assunto:
I. “Uma questão refere-se ao conceito de regra: quem acha que gramática quer dizer gramática normativa toma o conceito de regra como lei e o de lei como ordem: deve-se falar / escrever assim ou assado; as outras formas são erradas. Mas o conceito de regra / lei, nas ciências (em linguística, no caso), tem outro sentido: refere-se à regularidade (…). ‘Os livro’ segue uma regra. E uma gramática é conjunto de regras, também descritivas.”
II. “Outro problema foi responder ‘pode’ à pergunta se se pode dizer os livro. ‘Pode’ significa possibilidade (pode chover), mas também autorização (pode comer buchada). No livro, ‘pode’ está entre possibilidade e autorização. Foi esta a interpretação que gerou as reações. Além disso, comentaristas leram ‘pode’ como ‘deve’. E disseram que o livro ensina errado, que o errado agora é certo.”
III. “A terceira passagem atacada foi a advertência de que quem diz ‘os livro’ pode ser vítima de preconceito. Achou-se que não há preconceito linguístico. Mas a celeuma mostra que há, e está vivíssimo. Uma prova foi a associação da variedade popular ao risco do fim da comunicação. Li que o português ‘correto’ é efeito da evolução (pobre Darwin!). Ouvi que a escrita (!) separa os homens dos animais!”
           Em artigo na revista Veja, em 25.05.2011, a escritora Lya Luft disse: “O livro e a ideia que o fundamenta começam a merecer críticas de entidades como a Academia Brasileira de Letras e de centenas de estudiosos. Eu o vejo como o coroamento do descaso, da omissão, da ignorância quanto à língua e de algum laivo ideológico torto, que não consigo entender bem.”Acrescenta: “Essa variedade se chama adequação, é essencial, é natural e enriquece a língua. Mas querer que a escola ignore que existe uma língua-padrão, que todos temos o direito de conhecer, é nivelar por baixo, como se o menos informado fosse incapaz. É mais uma vez discriminar quem não pôde desenvolver plenamente suas capacidades.”
No dia 19.05.2011, em seu Editorial, a Folha de S.Paulo publicou: “O episódio, que faz lembrar as ferozes controvérsias gramaticais da República Velha (1889-1930), é menos relevante em si do que pelo que reitera em termos de mentalidade pedagógica. De algumas décadas para cá, a pretexto de promover uma educação ‘popular’ ou ‘democrática’, muitos educadores dedicam-se a solapar toda forma de saber implicada no repertório de conteúdos que a humanidade vem acumulando ao longo das gerações. Em vez da revolução pedagógica que apregoam, o resultado tem sido a implantação despercebida da lei do menor esforço nas escolas. Estuda-se pouco e ensina-se mal. Isso – e não suscetibilidades gramaticais – é o que deveria preocupar.”
             Por fim, veja-se a posição da Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN): “O livro acata orientações dos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) já em andamento há mais de uma década. Outros livros didáticos também englobam a discussão da variação linguística para ressaltar o papel e a importância da norma culta no mundo letrado. Portanto, nunca houve a defesa de que a norma culta não deva ser ensinada. Ao contrário, entende-se que esse é o papel da escola, garantir o domínio da norma para o acesso efetivo aos bens culturais e para o pleno exercício da cidadania. Esta é a única razão que justifica a existência da disciplina de Língua Portuguesa para falantes nativos de português.” Conclui-se o texto: “é importante esclarecer que o uso de formas linguísticas de menor prestígio não é indício de ignorância ou de outro atributo que queiramos impingir aos que falam desse ou daquele modo. A ignorância não está ligada às formas de falar ou ao nível de letramento. Aliás, pudemos comprovar isso por meio desse debate que se instaurou em relação ao ensino de língua e à variedade linguística.”
Com base nas informações apresentadas – e em outros conhecimentos sobre o assunto discutido – elabore um texto dissertativo, em norma-padrão da língua, abordando o seguinte tema:

EXEMPLO DE REDAÇÃO MUITO ACIMA DA MÈDIA

TEMA UNIFESP 2012 – Variação Linguística no Contexto da Educação


Tecendo a língua

Certa noite, a agulha, cansada de ser menosprezada, discute a sua relevância com a linha. Esta, por acreditar que nada era mais importante do que juntar e manter unido os retalhos, mantia o seu ar arrogante; aquela, por sua vez, tentava justificar o seu mérito ao abrir caminhos pelo dito tecido. É assim que Machado de Assis, em Um Apólogo, apresenta dois tipos caricaturais no qual um é vangloriado e o outro é renegado. O conflito entre a língua culta e a popular é o mesmo que o da linha e da agulha: as variantes populares são negligenciadas ainda que imprescindíveis no âmbito educacional.

É característico da língua o seu papel de costurar sempre o caminho mais rápido. Em sua teoria linguística, Mikhail Bakhtin afirmava que a língua é dialógica, ou seja, tanto a fala como a escrita possuem como objetivos estabelecer um diálogo. Há, nesse aspecto, igual importância do emissor e receptor: um por transmitir a informação, outro, por adequar o discurso do emissor. Desse fato decorre a necessidade de o indivíduo ser educado a adequar o seu linguajar para cada público, para cada contexto, com o intuito de estabelecer a comunicação de forma rápida e efetiva. Assim, negligenciar as variantes populares, pelo fato de romperem com a gramática normativa, é esquecer que existe uma heterogeneidade de públicos-alvo, é condenar a efetivação da linguagem.

A língua é como se fosse um tecido, tecido pelas variantes populares e mantidas pela variante culta. A língua popular é a vanguarda que modifica a língua ao buscar sempre caminhos mais rápidos para a comunicação – a flexão só do artigo como forma de marcar a pluralidade no trecho “Os livro ilustrado mais interessante” comprova isso. Por outro lado, a linguagem culta também é fundamental, pois quando há desejo de comunicação e as variantes linguísticas do emissor e receptor são distintas, é a gramática normativa que uniformiza um padrão – textos científicos em português culto, por exemplo, permite que qualquer cidadão letrado do país leia-o. Percebe-se que a educação deve englobar tanto a variante popular como a culta para que um cidadão possa se adequar a sociedade.

O brasileiro deve ser um poliglota da própria língua, ou seja, ele deve saber transitar nos diferentes tipos de variantes linguísticas. Assim, a discussão no âmbito educacional acerca da importância da variante culta sobre a popular é infundada: tal como um tecido em que a linha e agulha são igualmente importantes, o mesmo ocorre para as variantes linguísticas.


[SIC - texto transcrito a partir do rascunho entregue para mim, vestibular do dia 15/12/2011]

Considerações sobre a Redação:


Demonstra exímia escrita e clareza nos conceitos aplicados e discutidos, Além disso faz uso de uma metáfora que permeia o texto todo: a agulha e a linha são a língua popular e língua culta. Sendo a Língua portuguesa um tecido.  

É um raro exemplo de redação muito acima da média. Não há erro conceitual, nem falhas gramaticais graves que compliquem o alto nível do texto (apenas uma de ortográfica no verbo "manter" no primeiro parágrafo e outras de concordância no terceiro parágrafo).
O texto tem estrutura, progressão e desenvoltura discursiva atingindo o mais alto nível de interlocução com o tema.


Em uma Grade de Correção FUVEST/UNIFESP a nota final ficaria assim:

Item A - Tema e Conteúdo - nota 4,0 (Máximo 4,0)
Item B - Estrutura - nota 3,0              (Máximo 3,0)
Item C - Língua escrita - nota 2,5.      (Máximo 3,0)

Notal final 9,5

Obs: Em 2011, o Sistema Poliedro de Ensino tinha apenas 5 aprovações por ano na Pinheiros - FMUSP - fui chamado para cuidar da Redação, Coordenar a Redação do Poliedro (SJ dos Campos, Campinas e São Paulo). Assumi um compromisso com eles de 5 anos. Em 4 anos e 6 meses atingimos a meta para os 5 anos, aprovávamos 75 pessoas na FMUSP. Como conseguimos isso? Com trabalho colaborativo. Instituí um sistema de Atendimento de Redação. Com correções personalizadas. Além disso arrisquei contra tudo e contra todos no item ILUSTRAÇÃO - uso de metáforas literárias e cinematográficas em paralelo com a argumentação. O resultado veio acima.

A partir deste texto acima. Pude fazer o trabalho que acreditava. Chamei os melhores amigos e mais competentes leitores e fizemos um trabalho. Tudo colaborativo. Tudo dialogado. Cada texto, cada reflexão.  Tudo na base do que chamávamos de Redação e Dialogia. 



* Fabrício César de Oliveira - Doutor em Linguística e Filosofia da Linguagem pela UFSCar. Foi Coordenador do Poliedro São Paulo de julho de 2011 a Dezembro de 2015.  Hoje Coordena a Redação do Colégio SER! Poliedro, em Sorocaba.


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