Onde não puderes 'revolucionar'. Não te demores.

Onde não puderes 'revolucionar'. Não te demores.

"eu/quando olho nos olhos/sei quando uma pessoa/está por dentro/ou está por fora/ quem está por fora/não segura/um olhar que demora." O poema de Leminski reafirma uma prática do dia a dia que diz muito sobre as pessoas: o que o olhar dela sustenta. No Brasil, se muito olhamos nos olhos das pessoas, com uma demora maior, logo encontramos uma cordialidade já miscigenada com o modo de falar e de ser que sustenta o brasileiro (que penso ser uma característica muito positiva, exemplar ao mundo). Contudo, há também uma aparente falta de senso crítico, de leitura da realidade política, da cultura do debate, que poderiam contribuir para questionar se o olho no olho é um lugar de respeito, de tolerância e construção de qualidade de vida; mas isto, temo, que venha se perdendo. Perdendo-se pela baixa qualidade da educação, principalmente.

As eleições de 2014 têm um caráter inovador. Atingimos 100 milhões de usuários do Facebook no Brasil, ou seja, metade da população do país e cerca 75% dos eleitores, enquanto em 2010, eram apenas 8 milhões de eleitores com contas no rede interativa mais conhecida do mundo (número menor que a população da  cidade de São Paulo). Inovador porque, hoje, podemos encontrar e ter contato com discursos dos eleitores e de futuros eleitos. Tivemos gratas surpresas pelas redes, como o deputado Jean Wyllys, e também ingratos e amargos encontros com Bolsonaro e Feliciano. As redes demonstram um país ainda oligárquico, preso à senhores de terra, à ruralistas, à donos de mídia, mas também trouxe a noção continente de um povo que não se esconde, mesmo dentro de casa, que participa e quer mudanças. As redes sociais viraram "mídias interativas", onde o brasileiro quer interação, quer debate, quer entender os porquês, embora não saiba muito como, mas quer. Não nos esqueçamos que foi pela mídia interativa que em uma quinta-feira, 13 de junho de 2013, descobrimos duas coisas e descortinamos outras maiores: primeira, que a grande mídia mente (Folha, Estadão, Globo), quando vimos a PM de São Paulo depredar suas próprias viaturas, oprimir uma manifestação até então pacífica e atirar em jornalistas (nos revoltamos, belamente, na segunda-feira seguinte, dia 17 de junho de 2013, mais de 2 milhões nas ruas); e que o povo interconectado não atura no Brasil opressão militar, falta de respeito à dignidade daquele que luta pela vida do outro (o MPL representou isso, quando decidiu há mais de 5 anos lutar pela melhoria da mobilidade urbana em São Paulo). São dois pontos claramente positivos do uso do Facebook no Brasil dos últimos anos, e pode ser ele um lugar de melhoria da educação, se for bem usado.

Mas não basta. É preciso o olho no olho. É preciso ouvir as razões do outro. Nas redes interativas muito se perde tempo em tentar "causar", dizer coisas que são polêmicas, "polemizar", fazer uma TV REVOLTA e dar IBOPE para isso é igualmente símbolo de falta de base educacional. Talvez esteja aí nas redes interativas um grande problema que se deflagrou: a tamanha falta de senso político e precariedade do ensino brasileiro, nítidos no propósito de muitos por aqui. Entretanto, isto não é de nenhuma forma catastrófico, afinal no Brasil nem mesmo a natureza é dada à catástrofes, vulcões, furações, maremotos. Resolver o problema da educação é muito mais possível que parece e é responsabilidade nossa (minha como professor de literatura, minha como coordenador de redação, minha como cidadão que trabalha em escolas que dão bases para futuros médicos, engenheiros, professores, historiadores, futuros pais de outros seres humanos que ainda nem nasceram, etc). Acredito que é a educação o caminho largo para a melhoria do sistema político (Noruega, Finlândia, Canadá e Suécia, são exemplos que devem ser estudados, pesquisados). Penso ser uma responsabilidade legal, ao menos, estudar as razões da Finlândia incentivar os alunos desde pequenos a debaterem em sala, ou mesmo porque nos EUA, a péssima educação, tem 85% do professor falando, dados semelhantes ao do Brasil. Professor na Noruega é escolhido entre os 10%  melhores das universidades e ele incentiva o aluno a pensar, escolher, se posicionar, responder, ou seja, se responsabilizar pelo mundo em que vive e convive. 

No olho no olho descubro no ser humano sua riqueza, única, rara, ímpar. Assim é com cada aluno que se senta e conversa comigo. Descubro um universo, um encanto, um assombro por descortinar a vida, um assombro de esperanças, de melhoria de vida. É, definitivamente, um privilégio trabalhar com educação no Brasil, ser professor, embora tenhamos que fazer greve por melhorias da qualidade do trabalho (USP, UNESP, UNICAMP, prefeitura de São Paulo estão em greve esta semana) e a população deveria ir às ruas pela melhoria da qualidade de ensino. Unir forças nas ruas ou dentro de casa. Quando olho nos olhos da pessoa, sei se ela está por dentro e ou por fora, e quero que ela esteja por dentro da política, dos debates, acompanhada de bons livros, de bons filmes, de bons amigos, de boa música e quando isto acontece os olhos brilham, pois não há nada mais maravilhoso que ouvir de um aluno entusiasmado: "a democracia é o sistema mais revolucionário que existe, a gente deveria usar disso, usar dela pra melhorar a vida das pessoas, professor!", ou ler em voz alta um texto em que o aluno diz:"Não devemos usar a liberdade de expressão para ferir os direitos humanos, pois isto é uma das maiores contradições da humanidade. Já que foi a conquista dos direitos (em 1948) que nos legou a liberdade de expressão. Logo usar do efeito para desmentir a causa é anti-democrático e um retrocesso humano."  Nestas horas, não tem como não dizer: o estudo revoluciona o ser humano (vale ressaltar, eu disse "o estudo" e não "o vestibular").

Por essas e outras que digo: há pessoas por dentro e não são (somos) minoria. Com os olhos atentos, olhando por dentro, do que se diz, se escreve, se luta e, principalmente, de olho no "como" se usam as mídias interativas no Brasil, ainda mais no Pós-COPA. Já estamos de olho no pós, olhando o futuro, pois a Copa é um evento mundial que já está aí e será belíssimo, com ótimos jogos, ótimas atuações humanas no esporte. Nada contra. Afinal, esporte trabalha o excelente do ser humano, assim como a arte. Contra, teríamos pelo uso político e econômico. Mas os lucros já foram divididos e os ingressos comprados. Demoramos, pois não "nos demoramos" (sentido do poema de Leminski). O que importa é o que faremos com o legado das discussões após a Copa, nas eleições, nas escolhas dos deputados, senadores, governadores e presidentes. Ali é que o jogo conta, que vale, e não apenas 90 minutos, mas 4 anos, 8 anos, às vezes, uma vida inteira.

Estamos de olho. Vendo quem está por dentro ou por fora. E nosso olhar intimida e se demora. Parafraseando Frida Kahlo: "onde não puderes REVOLUCIONAR. Não te demores." 

Comentários

Entre em Contato pelo WhatsApp (11) 988706957

Nome

E-mail *

Mensagem *

MAIS VISITADAS