Uma aula de cidadania






Visando o debate em sociedade a cada quinzena, o grupo de Redação e Dialogia promove encontros sobre temas atuais. Ontem foi a vez de ouvirmos um membro da Comissão da Verdade, Ricardo Koba, em uma fala marcada por cidadania. O trajeto da privatização do ensino e a questão da cobrança de mensalidade na USP (tema da semana na Folha de São Paulo) foram pontos da primeira parte.

Com o Título "Da Ditadura à Democracia: transição incompleta" ao falar sobre o processo de privatização ficou claro como há e houve uma clara intervenção das forças armadas na política de planejamento brasileiro nos últimos 70 anos, para não dizer últimos dois séculos desde a proclamação da república em 1889. 

O lema "Ordem e Progresso" foi trocado anos antes da Ditadura Militar por "Segurança e Desenvolvimento", que logo culminou no Desenvolvimentismo a que mergulhamos nos anos de chumbo. 

A transição da Ditadura à Democracia está incompleta justamente por ainda termos e vivermos um processo de privatização de pilares públicos, como o da educação, da saúde e da segurança. 

A USP, com a privatização em voga, é tema importante dentro do debate sobre Ditadura, afinal muito da resistência à Ditadura no Brasil se deu por parte de setores da USP, mas também muitos foram os que colaboraram com o Golpe por lá. O principal delator (Krikor) tinha um gabinete ao lado do gabinete do Reitor nos anos 70.

Ricardo Koba nos mostrou que se quisermos uma educação de qualidade, temos que lutar para que seja pública, com debates e que invista no capital humano, sem mensalidades. Mas que parta de um aceite da cidadania do próprio estudante, que seja um "traidor da própria classe". Alguém que não aceita as regalias da própria classe, pois se preocupa com o social, com o Outro ( não apenas o mais imediato, mas também o mais distante, principalmente o da periferia).

Algumas reflexões e dados são necessários ao debate:

Em 1960, tínhamos 150 mil universitários.
Em 1980, tínhamos 1 milhão de universitários.

[Período militar, no qual o Regime queria mostrar ao índices internacionais que promovia ensino de qualidade em grande escala]

Porém, vale observar o que tivemos nas décadas seguintes à Redemocratização:

Em 2001, tínhamos 2,5 milhões de universitários.
Em 2012, tínhamos 6,5 milhões de universitários.

Sendo que 80% desses números são de universidades privadas.

Coloca-se a USP neste contexto, por ser a maior Universidade do País e notamos que ela está cada vez mais sitiada, acuada entre o Capitalismo, a Privatização e o Ensino de Qualidade.


Em um segundo momento da palestra, depois de mostrar como a Educação está muito atrelada ao modelo da Ditadura ainda. Mergulhamos em relatos sobre o trabalho da Comissão da Verdade.

Enquanto no Chile, Argentina, Uruguai as Comissões da Verdade logo entraram em vigor pós período ditatoriais, no Brasil ela só vigora em 2012. Depois do Brasil ser condenado pela Corte Internacional crimes contra a Humanidade na Ditadura. 

Os relatos, os nomes dos torturados, estão nos arquivos que a Comissão da Verdade estuda e debate. E o que ficou claro na conversa de ontem é a distância e a falta de memória que o brasileiro têm sobre seu passado bárbaro e inóspito. "Nas Reuniões e audiências públicas da Comissão da Verdade não se vê pessoas com menos de 50 anos. Você não encontra um jovem nas Comissões da Verdade. E isto demonstra total falta de memória, de conhecimento Histórico, de reconhecimento de nossa barbárie."

Ao final, Koba nos leu dois relatos de homens mortos e torturados. Um dele era um homem de 40 anos, pai de 5 filhos, branco, torturado e morto pelo Regime Militar. O Outro um Homem de 40 anos, pai de 4 filhos, negro, torturado e morto por 25 policiais no Rio. Dois casos. Com diferença de tempo de 45 anos. Um era Rubens Paiva. Outro Amarildo. Ambos casos demonstram que a transição da Ditadura para Democracia  utiliza dos mesmo métodos de guerra contra as minorias, as diferenças e o respeito: usam a tortura como arma de silenciamento de muitos.

Nos últimos 10 anos no Rio, foram 30 mil mortos desparecidos, cujas mortes não foram explicadas. 95% eram negros, pobres e sem estudos.

Ana Rosa Kucinski foi uma das 50 mil pessoas  presas e desaparecidas no Regime Militar. Sua morte não foi uma, mas várias. 

Enquanto houver esta coisa tênue e humana chamada "Memória" as barbáries passadas não mais voltarão à tona. Porém, se continuarmos apagando ou distantes do nosso passado, corremos o risco de ser conscienciosos com as torturas e práticas ainda ditatoriais de nossa política educacional e de nossa prática cidadã.

A conversa com o Koba, ontem, foi uma aula de cidadania. 


"É preciso preocupar-se com o Outro. Não o mais imediato apenas, que temos empatia por ser nosso amigo ou parente, mas ter empatia pelo Outro mais distante, da periferia, que vive no mesmo momento histórico que a gente. Pois se ele sofre uma tortura lá longe, esta barbárie é nossa. Toma toda nossa vida também. Afastar-se disso e dela é mergulhar na maior barbárie que existe: o egoísmo, o esquecimento do Outro como ser humano". [Ricardo Koba]

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