Propedêutica e Peleumonia

Bela e humanizada resposta de Júlia Rocha. Médica mineira do Programa Saúde da Família. 



Propedêutica e Peleumonia
[Entre a Medicina e a Linguística]
Na propedêutica, é possível em apenas um gesto, o Médico detectar e entender o que sente e qual a doença tem o paciente. Ou seja, para um bom médico basta um gesto, nem é preciso palavras.

Por exemplo, se ao se comunicar, o paciente aponta o dedo indicador para o peito, nota-se pela sutileza do gesto, pela delicadeza da linguagem não-verbal, que é uma dor aguda, intensa, que alfineta. Ou se ao falar da dor, o paciente fecha a mão e coloca em cima do peito, pode ser um risco iminente de ataca cardíaco.

Isto é uma lição poderosa! O gesto pode dizer mais que mil exames! Pode dizer mais que mil equipamentos! Pode dizer mais que mil gramáticas e horas sentado em uma carteira de cursinho para Medicina!

A Linguística usa a mesma arte da Propedêutica Médica. Notamos no gesto do dizer, na escolha da palavra, na seleção lexical do sujeito histórico, na ortografia do bom cidadão, não só o caráter da pessoa, como sua formação humana e familiar.

Vamos a um fato que ocorreu em Julho do ano passado, na cidade de Serra Negra, interior de São Paulo. Um médico publicou em uma rede social uma foto sua com um cartaz dizendo: "Peleumonia e Raiôxis não existem".  Fato grave! Foi um ato de preconceito linguístico e má formação de caráter ético e profissional!

Vou explicar o porquê.


Na Linguística, o termo "Peleumonia" existe a partir do momento que é dito (ganha materialidade sonora e sígnica), como existe o termo "Raôxis", pois os dois são gestos de quem se comunica com o que tem e busca solução no outro para aquilo que não entende como dor ou cura.

Não é preciso ser Doutor em Linguística e Filosofia da Linguagem para saber disso, como eu. Só é preciso ser Humano, usar a escuta, usar o coração, usar a educação e o respeito.

No dicionário, lugar da Língua morta, estática, petrificada, a palavra "peleumonia" ainda não está, pois é no dicionário que a exclusão do que é vivo se faz. Pois é preciso ser muito mais vivo para entender que o que dicionariza a palavra é o uso vivo dela, se matamos a palavra no seu nascedouro, matamos também nossa capacidade de desenvolver um entendimento entre as pessoas. Matamos a Língua em seu nascedouro - na sua fonte, na sua poesia, na "língua viva do povo/ na língua gostosa do povo" (Manuel Bandeira). Matamos seu caráter - sua comunicação.
A partir do momento em que Médicos julgam (precoceituosamente) seus pacientes pelo modo com que eles falam e não pelo modo como eles se sentem na DOR, na hora mais frágil do ser, perde-se a noção do que é a Medicina verdadeira. Mancha-se toda a formação médica. Medicina vira Status e não mais Vocação.

Saber a Propedêutica das coisas separa o joio do trigo, o Status da Vocação, o Linguista do mero Gramaticicista, o preconceituoso daquele que busca a ética até nos gestos de um suposto erro ortográfico.
Medicina não é status, mas vocação, assim como Língua não é só estrutura, mas intenção.


Fabrício César de Oliveira, Doutor em Linguística e Filosofia da Linguagem pela UFSCar. 

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