Pular para o conteúdo principal

Requiem for the American Dream (legendas em português)




Documentário de Noam Chomsky ajuda a refletir sobre os atos contra iniciativas do atual governo

Lindos acordes do coral Carmina Burana acompanhados por um coro de vozes potente se colocando contra as primeiras ações do presidente interino Michel Temer. A cena está nas redes sociais e acompanhou o caminho de quem passou pelo Centro do Rio na terça-feira (17). Eram estudantes, artistas, professores, pessoas comuns, que se posicionavam no Palácio Gustavo Capanema contra a extinção do Ministério da Cultura , apenas um dos muitos atos autoritários que Michel Temer está adotando e que vêm arregimentando uma legião de ativistas incansáveis.

São esses incontáveis pequenos atos, que andam se espalhando Brasil afora desde a suspensão da presidente eleita Dilma Rousseff, cujo governo tinha um foco voltado às classes de baixa renda, que fundam as bases para eventos que hão de se tornar história. Quando vi a notícia sobre a manifestação no prédio histórico do Rio, peguei carona nesta reflexão, do ativista social e historiador norte-americano Howard Zinn, morto em 2010. É esta mensagem que encerra o excelente documentário “Requiem for the American Dream”, de Peter Hutchison, Kelly Nyks e Jared P. Scott, que a Netflix está transmitindo. O protagonista é Noam Chomsky, filósofo norte-americano, ele também um ativista social. O filme critica, denuncia, alerta. Não tem ilusões. Deve ser assistido por quem está incomodado com o momento que atravessa a vida dos brasileiros e por quem quer ampliar os pensamentos.

Chomsky foi entrevistado pela equipe de filmagem durante quatro anos, e o filme tem pouco mais de uma hora de duração. Considerado um dos maiores intelectuais vivos, ele expõe o colapso do sonho americano, que era trabalhar duro a vida toda para ter em troca segurança,  conforto, boa educação, saúde, emprego quase perene. As promessas não foram cumpridas e o sistema trouxe junto uma desigualdade sem precedentes que tem um efeito corrosivo e prejudicial à democracia.

“A concentração de riqueza gera concentração de poder político”, alerta Chomsky.

“O estado ajuda os ricos, o governo é o problema e não a solução para os pobres: isso é, essencialmente, o neoliberalismo. Tem um caráter dualista que remonta à história econômica. Um conjunto de regras para os ricos e  regras contrárias para os pobres. Não há surpresa nisso. É exatamente a dinâmica que você esperaria. Se a população permitir que isso prossiga, continuará sendo assim até o próximo colapso, que é tão esperado que as agências de crédito, que avaliam as posições das empresas, já estão considerando em seus cálculos o socorro do contribuinte previsto para o próximo colapso”, prossegue o pensador.

O que acontece é que os ricos e poderosos não gostam da democracia porque é um sistema que tira deles o controle. É a regra da concentração de riqueza e poder, que Chomsky analisa detidamente no documentário,  separando-a em dez princípios. Ele começa identificando a riqueza das corporações, que controlam os partidos políticos, o poder Legislativo, e aumentam a concentração de riqueza. Não são apenas os comerciantes e industriais, mas também as instituições financeiras e as multinacionais que entram nesta roda da fortuna, aqueles a quem Adam Smith chamou de “mestres da humanidade”. Um círculo vicioso,  que garante apenas à classe abastada que tenha os interesses prontamente atendidos, mesmo gerando nos outros  impactos crueis.

“E na falta de uma  reação popular geral, é isso mesmo que se espera”, diz Chomsky.

O pensador e filósofo trouxe para este documentário ideias que ajudaram a compor outro filme, “The Corporation”, de 2003, dirigido por Mark Achbar e escrito por Joel Bakan, em que o foco era o poder que as grandes empresas passaram a ter em nossas vidas. Uma análise lúcida, uma  reflexão importante e, acima de tudo, uma denúncia sobre os desvios de um sistema que privilegia somente aqueles que têm condições (e pernas) para avançar. Aos outros, resta a caridade, quando muito.

“Corporações são ficções legais criadas pelo estado. Há uns cem anos, elas tinham direitos pessoais. E isso continuou durante o século XX. Deram às empresas muito mais direitos do que as pessoas têm. Então, se a General Motors investe no México, ela tem os direitos nacionais, os direitos do negócio mexicano. Enquanto a noção de pessoa foi expandida para incluir as corporações, ela também foi restringida. Se você interpretar a 14ª emenda literalmente, nenhum estrangeiro não documentado pode ser privado de direitos, se são pessoas. Mas os estrangeiros (nos Estados Unidos) não são tratados como pessoas. Já a General Electric é uma pessoa, superpoderosa e imortal”, conta Chomsky.

A força das instituições democráticas, das pessoas que vão às ruas para lutar por direitos humanos, quer seja no campo social, quer seja no mercado de trabalho,  talvez seja o único temor dessa turma de privilegiados. No entanto, aqui também não se tem um jogo equilibrado. Para haver uma mobilização de trabalhadores que possa gerar uma reação das empresas é preciso ter sindicatos. Nos Estados Unidos, porém, sociedade foco do documentário, apenas 7% das pessoas que trabalham são sindicalizadas.

“Um dos motivos principais dos ataques concentrados, quase fanáticos, a sindicatos e movimentos trabalhistas, é que eles são uma força democrática. Eles fornecem uma barreira que defende os direitos dos trabalhadores, mas também os direitos populares. Isso interfere na prerrogativa e poder daqueles que possuem e gerenciam a sociedade”, diz Chomsky.

Um governo verdadeiramente democrático precisa ouvir as pessoas, tem que abrir a possibilidade de haver  vida pública, na praça, deve incentivar  movimentos criativos como o que atravessou o caminho de muita gente, que na tarde daquela terça-feira passava em frente ao Gustavo Capanema. Mas nem sempre é fácil o engajamento, sobretudo porque o sistema capitalista instaurado hoje parece ter excluído das pessoas sentimentos humanos como solidariedade, compaixão. Lutar para quê, se o grande foco é a ganância, o próprio desenvolvimento, o progresso apenas dos mais próximos?

Outro  entrave à livre manifestação pode ser a desesperança, já que os atos parecem sem sentido quando não se consegue um resultado com eles. Noam Chomsky conta que um dos principais cientistas políticos, Martin Gilens, estudioso das políticas antipobreza, dedicou parte de seus estudos à relação entre atitudes públicas e política pública.

“Ele mostrou que 70% da população não têm como influenciar a política, o que leva a uma população brava, frustrada, que odeia instituições e que não está agindo construtivamente para reagir a isso. Há mobilização popular e ativismo, mas em direções bem autodestrutivas. Está tomando a forma de raiva sem foco, ataques uns contra os outros e em alvos vulneráveis. Corrói as relações sociais. Mas esse é o objetivo: fazer as pessoas odiarem e temerem umas as outras e se preocuparem só consigo mesmas, não fazerem nada para os outros. O dia de fazer a declaração do Imposto de Renda deveria ser um dia festivo, de comemoração, quando as pessoas se juntam para decidir financiar os programas e as atividades que formularam e com as quais concordaram. O que poderia ser melhor do que isso? Mas é um dia de tristeza, em que um poder que nada tem a ver com você vem roubar seu suado dinheiro e você faz o possível para que ele não consiga”, diz Chomsky.

As mudanças, quando acontecem, são devido  a pessoas que lutam o tempo todo em seus trabalhos, comunidades, construindo uma base de movimentos populares. Ou que, como fizeram em várias capitais Brasil afora, se posicionaram contra a extinção de um ministério que só precisa ser visto como “cabide de emprego” por quem não respeita, não reconhece, a força que o estado deve ter na vida dos cidadãos.

Comentários

Entre em Contato pelo WhatsApp (11) 988706957

Nome

E-mail *

Mensagem *

MAIS VISITADAS