Qual a diferença: Modernidade Líquida / Pós-modernismo / Pós-modernidade?



O que é sociedade líquida? Bauman explica sua teoria

Surge o conceito de sociedade líquidaBauman aparece como seu arauto. O que é isto? O que é a sociedade líquida? Para Zygmunt Bauman, a sociedade atual pode ser classificada como uma modernidade líquida (que seria uma substituição do termo “pós-modernidade”, que se tornou muito mais uma ideologia do que um tipo de condição humana, como diz o autor), em contraposição à modernidade sólida que seria a modernidade propriamente dita, da época da guerra fria e das guerras mundiais.
Qual a grande diferença? Pode-se começar pelo fim das utopias. A sociedade líquida, ao contrário do que ocorreu durante o século XX, não pensa a longo prazo, não consegue traduzir seus desejos em um projeto de longa duração e de trabalho duro e intenso para a humanidade. Os grandes projetos de novas sociedades se perderam e a força da sociedade não é mais voltada para o alcance de um objetivo.

Bauman e a sociedade líquida

A utopia era a maneira de perceber que a realidade atual precisava ser modificada somada com a força para sua modificação (a esperança no potencial humano de transformação). Ou seja, havia a constatação de que o mundo precisava ser mudado e interações sociais suficientes para criar grupos,1 para engajar pessoas e para movimentar nações de maneira que as modificações pudessem ser feitas. Estas duas condições básicas para a sustentação da utopia desaparecem quando a sociedade começa a ser desregulamentada e desordenada.

Sociedade líquida: Bauman sobre desregulamentação e desordem

Para o autor, o fim das utopias é a perda do caráter reflexivo em relação a sociedade e, por consequência, a perda da noção de progresso como um bem que deve ser partilhado. A busca do prazer individual é o fim último da sociedade líquida. Bauman explica que a sociedade atual é desregulamentada, pois o mercado é aquilo que dita as regras e as regras do mercado são marcadas pelo objetivo econômico capitalista: a aniquilação dos concorrentes e o sucesso com os consumidores. A vida também passa a ser desordenada, já que não há mais as claras divisões que antecediam a pós-modernidade (como a divisão do bloco comunista e do bloco capitalista).
Uma corrente de incerteza e insegurança guia o sujeito pós-moderno, que não tem mais referencial nenhum para construir sua vida, a não ser ele mesmo.
A liquidez da sociedade se dá pela sua incapacidade de tomar forma fixa. Ela se transforma diariamente, toma as formas que o mercado a obriga tomar, não propicia a elaboração de projetos de vida (como ter um projeto de vida quando os antigos empregos para toda a vida já não existem mais? Como planejar sua vida sendo freelancer de um projeto de três meses em uma agência de publicidade qualquer? Como fazer um projeto de vida se cortes acontecem semestralmente e se funcionários fixos são cada vez mais trocados por terceirizados ou por contratos de pessoa jurídica?)

Sociedade Líquiida

Caçadores e jardineiros

Bauman ainda utiliza a metáfora do caçador e jardineiro para simbolizar a era pré-moderna e moderna. Segundo Bauman, na era pré-moderna, a metáfora do caçador descreve melhor a presença humana na terra: o caçador é aquele que protege seus terrenos de qualquer interferência externa e acredita num equilíbrio da natureza. O caçador vê uma estabilidade funcional na presença de cada elemento no mundo e não se importa em acabar com os recursos de um dado espaço, pois pode se mover para outro espaço e utilizar mais recursos.
A vida do caçador é feita de guerra com outros caçadores e proteção do ambiente que se explora.
Já na era da modernidade, a presença humana parte para uma visão reflexiva da sociedade, pautada numa noção de progresso que envolve projetar aquilo que se quer fazer antes da ação. O jardineiro sabe quais plantas devem ser plantadas e quais devem ser cortadas, ele também entende que a ordem no mundo depende do esforço de cada um, não de uma lei exterior.
Segundo Bauman, quando a utopia passa a ser deixada de lado na sociedade líquida, o caçador volta a tomar lugar do jardineiro e as regras fixas do equilíbrio da natureza voltam a produzir formas variadas e variantes, em que a condição humana volta a ser dominada por uma angustia e insegurança insustentáveis.


Modernidade líquida: Bauman nos ajuda a entender

Podemos dizer que a modernidade líquida é a época atual em que vivemos4. É o conjunto de relações e instituições, além de sua lógica de operações, que se impõe e que dão base para a contemporaneidade. É uma época de liquidez, de fluidez, de volatilidade, de incerteza e insegurança. É nesta época que toda a fixidez e todos os referenciais morais da época anterior, denominada pelo autor como modernidade sólida, são retiradas de palco para dar espaço à lógica do agora, do consumo, do gozo e da artificialidade.
Antes de Bauman criar o conceito de modernidade líquida, já Marx e Engels caracterizavam a modernidade como o processo histórico que derretia todas as instituições de outras épocas, como a família, a comunidade tradicional (culturalmente peculiar e fechada para forasteiros) e a religião (vide a secularização dos Estados-nação no século XX). O objetivo do derretimento proposto pela modernidade era questionar cada ponto da vida, descartando a irracionalidade e a falta de justificativa plausível que cada objeto de crítica continha, mas mantendo ou realocando no projeto racional e iluminista suas características ainda aproveitáveis.
A destruição da modernidade, portanto, era criativa, na medida em que desenraizava o velho e o enraizava no novo, o colocando em outra gama de relações. É este o mote de Zygmunt Bauman para entender que a configuração atual da modernidade é qualitativamente diferente daquela descrita acima e vigente até a década de 60 (que é tomada como marco simbólico da mudança de época que trataremos aqui). A modernidade líquida, nos dirá Bauman, é o momento em que os referenciais que possibilitavam o desenraizamento e reenraizamento do velho no novo são liquefeitos e, assim, perdidos.
Quando não há mais tais referenciais, a vida passa a ser entendida como projeto individual. E quais são esses referenciais? A classe, a religião, a família, a nacionalidade, a ideologia política. Todos eles foram solapados por uma crescente tendência ao consumo, à transformação das relações sociais em mercadoria, portanto, da própria identidade em mercadoria. Isso pode ser visto principalmente no “processo de desregulamentação política, social e econômica que se manifesta na expansão livre dos mercados mundiais, no desengajamento coletivo e esvaziamento do espaço público”, diz Tiago de Oliveira Fragoso.
Fragoso complementa, “Na modernidade líquida os indivíduos não possuem mais padrões de referência, nem códigos sociais e culturais que lhes possibilitassem, ao mesmo tempo, construir sua vida e se inserir dentro das condições de classe e cidadão. Chega-se no entender de Bauman a era da comparabilidade universal, onde os indivíduos não possuem mais lugares pré-estabelecidos no mundo onde poderiam se situar, mas devem lutar livremente por sua própria conta e risco para se inserir numa sociedade cada vez mais seletiva econômica e socialmente”.
Bauman e a Modernidade Líquida

É nesta época que as relações de trabalho cada vez mais se desgastam e que a própria esfera do trabalho cada vez mais vira um campo fluido desregulamentado. Então, empregos temporários, meia jornada, empregos em que as relações de empregado-empregador são constituídas somente pelos dois (como os trabalhadores que são Pessoa Jurídica), se tornam situações fáceis de observar e consideradas legítimas pela sociedade. Nisto, emerge a figura do desempregado crônico.
Nas relações pessoais, as conexões predominam. Conexão é o termo que Zygmunt Bauman usa para descrever as relações frágeis. A grande sacada desta palavra envolve a noção de que, em uma conexão, a vantagem não está só em ter várias conexões, mas, principalmente em conseguir desconectar sem grandes perdas ou custos. A relação frágil tem como pressuposto a transformação dos humanos em mercadorias que podem ser consumidas e jogadas no lixo a qualquer momento – a qualquer momento eles (os humanos) podem ser excluídos. A conexão é frágil porque o sujeito líquido lida com um mundo de consumo e opções, mas esse mundo nunca é objetivo e frio, ele ainda causa frustrações e, como já dito, insegurança. O sujeito líquido não tem mais referenciais de ação: toda a autoridade de referência é coloca em si e é sua responsabilidade construir ou escolher normas a serem seguidas – tudo se passa como se tudo fosse uma questão de escolher a melhor opção, com melhores vantagens e, de preferência, nenhuma desvantagem.
Isso tudo é coberto por uma mentalidade que, não só valida as instituições e as normas, mas também dá base para a vida dos sujeitos: os imperativos de consumo são inscritos naquilo que há de mais fundamental na constituição do sujeito líquido. Até mesmo no sexo.
Na modernidade líquida, o sexo é uma força de atomização, não de união. As conexões sexuais fortalecem a noção do indivíduo isolado, porque elas não são muito mais que o acúmulo de sensações que os sujeitos pós-modernos foram construídos para buscar. O sexo é sempre a satisfação instintiva individual sem qualquer responsabilidade ou ligação com o outro, sempre a acumulação de prazeres.
No entanto, para além da prática sexual, a própria noção da sexualidade foi modificada. Percebe-se isso nas crianças: atualmente, a expressão da sexualidade na criança é tida como produto do abuso de adultos – os adultos as abusam e este ato criminoso seria refletido na criança em ações simples, como quando começa a mexer nos próprios órgãos genitais. Antes desta conceituação da sexualidade infantil, as crianças eram tidas como sujeitos sexuais, elas tinham interesse pelo prazer sexual e se masturbaram em busca destas sensações (basta ler Freud).
Portanto, o autor chega a conclusão que essa nova significação da sexualidade infantil é o oposto da sexualidade, digamos, “sólida”: nela, a sexualidade era parte do instinto incontrolável que deveria ser vigiado constantemente pelos pais. A criança passou de sujeito sexual a objeto sexual.
Se os pais, quando próximos, podem ser considerados abusadores sexuais (o autor dá um ótimo exemplo no Mal Estar da Pós-Modernidade sobre um caso em que a escola de uma criança processou seus pais por abuso, mas eles acabaram sendo inocentados, porém não antes de recebem um grande linchamento moral), então a atitude correta é se afastar. Logo, o filho cresce sem a relação íntima e profunda (e vigilante, autoritária) que era sempre construída na modernidade sólida. é importante dizer que nada disso é meramente consciente e intencional – esse afastamento se dá “naturalmente”, daí a característica de qualquer época ser marcada por um véu de naturalidade.
Modernidade Líquida Bauman

Modernidade líquida é pós-modernidade?

Não! Este é um ponto importante: o conceito de modernidade líquida, fruto da análise de Bauman, não é um conceito análogo ao de pós-modernidade. Na verdade, é um conceito crítico.
Para Bauman, não há uma pós-modernidade, há uma continuação da modernidade com pontos diferentes. Aqui, o autor tem uma certa afinidade com Manuel Castells, que, ao falar da sociedade informacional, afirma que a sociedade industrial (no sentido de ter como base de produção as indústrias), ainda existe, mas com lógica diferente. Não se trata de uma ruptura de época, mas de uma transformação dentro de uma estrutura, digamos, contínua. O mesmo aconteceria na sociedade líquida.
Apesar de ser confundido erroneamente como pós-modernista (e por isso que tem colocado o termo “modernidade líquida” em seus livros recentes), sua obra é, como já dito, completamente crítica àquilo que chama de pós-modernidade. 

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