TEMA FUVEST: OS LIMITES DA LIBERDADE E DA RESPONSABILIDADE NO MUNDO CONTEMPORÂNEO.





LEIA OS TEXTOs ABAIXO E ESCREVA UMA DISSERTAÇÃO ARGUMENTATIVA SOBRE O TEMA: oS LIMITES DA lIBERDADE E DA RESPONSABILIDADE NO MUNDO CONTEMPORÂNEO.

TEXTO 1)
QUADRILHA
Carlos Drummond de Andrade


“João amava Teresa que amava Raimundo

que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili

que não amava ninguém.

João foi para o Estados Unidos, Teresa para o
convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto
Fernandes que não tinha entrado na história.”
Carlos Drummond de Andrade era um escritor com características marcantes, talvez por isso seja considerado um dos maiores escritores brasileiros do século XX. Contudo, é possível ver algumas tensões dentro de seus poemas que são questões amplas e existenciais. Por exemplo, a disputa entre EU X MUNDO é uma das que mais movimentam sua poesia e sua perplexidade poética; ou mesmo a relação do ser humano com suas escolhas. O poema "Quadrilha" brinca com os nomes das pessoas e suas formas de amar, trazendo à tona características existencialistas bem fortes (o aceite do nome de batismo e o aceite da responsabilidade em vida como formas de liberdade máxima e aceite dos limites existenciais) e faz uma grande crítica ao Capitalismo – casamento por interesse da Lili com J. Pinto Fernandes. Basta observar os nomes das pessoas que amam e os dois nomes das pessoas que não se vê declarar o amor no poema (Lili, que não declara seu amor, pois usa um apelido e não se assume responsável, e J. Pinto Fernandes que entrou na História depois das declarações feitas pelos que tiveram fins trágicos, mas é o único que não tem nome, mas tem sobrenome, ou seja seu nome não importa, mas sim seu status familiar e financeiro impregnados em seu sobrenome). Por essas e outras, podemos afirmar que, Drummond, é um grande poeta existencialista.



TEXTO 2)
Sartre e a liberdade
A escola filosófica de Jean Paul Sartre (1905-1980), o existencialismo, foi algo tão amplo quanto o movimento intelectual da Escola de Frankfurt. Em determinado período do século XX, os mais diferentes e divergentes filósofos se diziam existencialistas.
A ideia básica do existencialismo de Sartre pode ser expressa pela frase “o homem está condenado à liberdade”. Nada poderíamos fazer, ao ter de tomar qualquer decisão, a não ser criarmos ou inventarmos a nossa própria saída para o possível impasse no qual estaríamos metidos, exercendo assim nossa liberdade e, enfim, nos responsabilizando pelas consequências de nosso ato. Ninguém poderia vir em nosso auxílio para nos eximir, depois, da responsabilidade da decisão que tomamos. Nada ofuscaria nossa liberdade, pois esta seria a única coisa efetivamente obrigatória em nossa vida. Todos os nossos atos – linguísticos ou não – seriam de nossa responsabilidade, e de mais ninguém.
Uma compreensão errada do existencialismo que, não raro, esteve presente na história da filosofia do século XX, foi a de evocar atenuantes de toda ordem para poder dizer que o homem não age livremente como Sartre dizia que ele age. Mas a liberdade a que o homem está condenado, na acepção sartriana, não poderia ser atenuada por nada, uma vez que ela nunca foi pensada a partir do enfrentamento de barreiras psicológicas, históricas, ideológicas e coisas do tipo. Todas essas barreiras não podem ser evocadas; e isso por uma razão simples: nenhum homem conseguiria não exercer algo que é da natureza da liberdade: a decisão. Um exemplo ajuda.
Pode-se tomar uma decisão X que é ruim ou boa, mas o que não se consegue fazer é não decidir (não decidir é, afinal, decidir não decidir – lembre-se). E uma vez optando, essa opção X carrega todo o mundo junto com seu autor, pois cria uma trilha, um rastro, um tipo de jurisprudência. Dali para frente, todo e qualquer homem pode fazer referência ao tipo de opção X tomada, e isso a fim de melhor ponderar a sua própria opção e para dizer assim: o ser humano toma tal caminho, pois eu sei quem tomou tal caminho.
Não haveria nenhum tipo de essência humana, segundo a qual um homem age de um modo ou de outro, ou mesmo não age – o que também é uma forma de ação. A única condição humana seria a de estar no mundo, de existir. A uma decisão X, então, se estabeleceria
uma projeção daquele homem sobre o mundo. Sua existência seria projetada no mundo e daria uma via a mais para toda a humanidade caminhar – a via aberta pela decisão X. Todos os homens, então, teriam sido redefinidos. O senso comum não existencialista pode dizer: o homem é aquele que por natureza toma (entre outras) a decisão X. E o existencialista diz diferente: o homem é aquele que decide e, se um decidiu por X, mais um caminho (além de tantos outros) está aberto para o homem.
Mais um exemplo, para que fique claro. Você está em um ônibus e o ponto que gostaria de descer está próximo. Você vê, então, um malfeitor entrar no ônibus e percebe que o ambiente ali não vai ficar bom. Sua pressa para descer aumenta e, enfim, realmente você havia planejado descer no próximo ponto. Todavia, quando o ônibus se aproxima do ponto, você nota que lá fora há uma confusão entre policiais e ladrões e um grande tiroteio. Descer ali seria altamente perigoso. Ficar resultaria, certamente, em ser assaltado, pois tudo indica, pela sua experiência, que o malfeitor não está ali no ônibus à toa. Pois bem, como decidir? Ficar? Descer e correr? Descer e ir para a esquerda, onde parece que estar mais calmo? Ou descer e ir para a direita, onde apesar de estar mais atribulado, é o lado da polícia? Ou simplesmente não descer? Nesta hora, o que ocorre é que você vai decidir – ninguém vai decidir por você. Não são as circunstâncias que estão decidindo por você. Você não pode acusar as circunstâncias por serem elas as responsáveis por sua decisão, pois quando não haveria circunstâncias? Acusar as
circunstâncias, tomadas genericamente como “as circunstâncias”, implicaria em imaginar um mundo sem circunstâncias – mas no mundo de quem existe, todo o tempo é preenchido por circunstâncias. É você que está assumindo a sua existência, que é a sua vida no interior de todas as circunstâncias de quem está no mundo, e que vai decidir, pois isto é estar no mundo.
Feita a escolha, sua vontade, sua tomada de posição se faz presente no mundo, é projetada no mundo e abre uma via pela qual o mundo passa a ter um acontecimento a mais. Para o mundo, um fato; para você, uma situação que lhe trará consequências. Para a humanidade, uma via a mais. Não importam mais quais são as consequências – você deverá arcar com elas. Você fez uma escolha e, fazendo a escolha, exerceu sua liberdade. Exerceu a liberdade como quem não tem outra saída senão optar e exercer a liberdade. Não há como culpar as circunstâncias e dizer “não escolhi, fiz o menos pior”. Pior ou melhor, a decisão foi sua. Não haveria sentido você imaginar poder decidir, sempre, sem as circunstâncias piores ou melhores. Pois se assim fosse, não haveria mundo, nem existência alguma. Se você pudesse optar e no ato de optar mudar as circunstâncias você não estaria optando e muito menos estaria em uma situação vital e natural, você estaria num mundo mágico. Se a cada opção você pudesse mudar as regras do jogo, ou seja, alterar o mundo de modo a dizer que, então, entre o bom e o ótimo você teria certeza que poderia optar, a vida não estaria ocorrendo. Se assim fosse, não valeria falar em liberdade ou em opção ou decisão – não estaria ocorrendo nada, não haveria o plano da existência.
A doutrina humanista que Sartre abraçou, portanto, era bastante diferente do Humanismo que acobertou os modernos. Para Descartes ou Rousseau o homem tinha, sim, uma essência. A razão
lhe era inerente. Para Sartre, as determinações do homem não seriam dadas por nenhuma essência, nenhuma instância metafísica, mas somente pela existência. E a existência seria, enfim, viver e estar sob aquela condenação – a de ser livre.
Outra confusão que alguns fazem, ao começar a ler Sartre, é acreditar que ele, ao dizer que ao tomar uma decisão você carrega o mundo junto com você, está advogando algo parecido com um princípio do tipo kantiano. Um princípio assim seria aquele mais ou menos expresso nesta forma: eleger como lei universal aquilo que você toma como uma regra para a sua ação particular. Mas Sartre está longe desse universalismo kantiano. No pensamento sartriano, a ideia de que você leva toda a humanidade junto como você, na sua decisão, não tem referência a uma posição que tem o direito de se universalizar. O que ocorre quando você opta, para Sartre, é que um caminho seguido está dizendo a todos os homens: “vocês ainda não experimentaram este caminho? Não? Bom, eu experimentei, ele é um caminho possível”. E daí em diante, você abriu uma picada na floresta, uma senda no mundo das realizações dos homens. Uma opção com jurisprudência, com história, para outros. Ainda que nenhum homem venha a tomar uma decisão, em circunstâncias parecidas aquela que você tomou, a humanidade nunca mais poderá dizer que ela não tem aquela opção. Você, como membro da humanidade, deixou a história daquela opção gravada. O seu projeto ou, melhor dizendo, a sua projeção no mundo nunca mais poderá ser apagada. Nenhum grama vai nascer na trilha aberta
por você, ainda que passe mil anos e que essa trilha não seja nunca mais percorrida. Você exerceu sua liberdade. Fez a liberdade valer. Fez a liberdade.
Sartre nunca pensou em uma noção de liberdade que não fosse exatamente esta: a liberdade só se faz presente no momento da decisão. Não há o “espírito da liberdade”. A liberdade é o ato de decidir, de negar uma possibilidade e afirmar outra. Este ato é o ato que consubstancia a liberdade; seja para qual lado a decisão possa pender, o ato que faz a própria liberdade ocorrer é o de decidir. Terminado o ato, a liberdade desaparece novamente, para ressurgir no ato seguinte de decisão.
 Paulo Ghiraldelli, 57, filósofo
TEXTO 3)
O poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto parece ter entendido profundamente o Existencialismo do poema de Drummond, pois fez um outro poema chamado “Os Três Mal-Amados” em clara INTERTEXTUALIDADE com o de Drummond, pois os três mal-amados (são Joaquim, que amava Lili, João que amava Teresa e Raimundo que amava Maria, mas não eram amados por elas) são os personagens do poema de João Cabral. O poeta pernambucano escreve cartas com os vieses dos três mal-amados (João, Raimundo e Joaquim) e deixa clara a marca Existencialista que o poema de Drummond já trazia. Vamos ler um trecho da carta de suicídio de Joaquim:

Os Três Mal-Amados  - João Cabral de Melo Neto
Joaquim:
O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos. (...)
O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta,
o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

TEXTO 4)
E se a classe média de Pinheiros tivesse se omitido? - A reação diante do
assassinato do carroceiro risca um limite no país sem limites
                    Na quarta-feira, 12 dejulho, às 18h, o catador de material reciclável Ricardo Silva Nascimento, de 39anos, negro, foi executado com pelo menos dois tiros na altura do peito por um policial militar branco, de 24 anos. Ricardo tinha um pedaço de pau na mão. O PM teria mandado que baixasse, e ele não baixou. Em vez de ser imobilizado, foi assassinado. Este é o cotidiano das periferias do Brasil, determinado pelo braço armado do Estado, com a conivência da população que naturalizou o genocídio dos pobres e negros. Qual era a diferença?
Ricardo foi assassinado pela PM no bairro de classe média de Pinheiros, em São Paulo. Foi assassinado diante de moradores desacostumados com a barbárie corriqueira nas favelas. Era gente que passeava com seu cachorro, que entrava no supermercado Pão de Açúcar, que chegava ou saía de casa vinda do trabalho ou do consultório, ou indo para a yoga, a academia, encontrar um amigo. Era gente que não está acostumada a testemunhar uma execução cometida por um agente público.
Estas mesmas pessoas viram a PM enfiar Ricardo no porta-malas da viatura, contrariando a lei – e a viram “limpar” a cena do crime, para impedir a investigação. E ver, bem na sua frente, é diferente de ler no jornal ou assistir na TV. Ou não ler ou não assistir, já que os assassinatos nas periferias rendem pouca notícia ou nenhuma.
Ainda assim, já houve execuções de pobres e negros em bairros nobres das capitais brasileiras sem que houvesse movimento para além da comoção espasmódica de sempre. O que mais era diferente?
Ricardo não era invisível para aquelas pessoas. Ele trabalhava no bairro há anos recolhendo material reciclável em suas três carroças. Era, para muitos ali, um vizinho que, em vez de morar num dos apartamentos, morava na rua. E era reconhecido por muitos como alguém que fazia um trabalho de utilidade pública, que é o de recolher o material que pode ser reaproveitado, limpando as ruas e dando sua contribuição para retardar a corrosão do planeta.
Ricardo era Ricardo. Tinha nome e tinha história. Tinha laços com o lugar e com as pessoas do lugar. É com nome e com história e com laços que se rompe a invisibilidade. Se para a PM ele era matável, a categoria dos que se mata impunemente, uma categoria não oficial mas consolidada no Brasil, para os moradores de Pinheiros não. Ricardo era Ricardo.
Algo transformador então aconteceu.
(...)

O mais significativo ato de potência num país interditado foi ignorado ou tratado como algo menor pela grande imprensa, num noticiário dominado pela Lava Jato, pela condenação de Lula, pelo aumento da gasolina e pelas barganhas no Congresso. Sobre a missa na Sé, muito pouco. Mas talvez nada seja mais importante hoje do que enxergar onde está o movimento. Ou onde estão as pequenas rachaduras nos muros. É assim que as transformações profundas, as estruturais, começam ou continuam. A potência hoje e já há algum tempo está em outros lugares e em outros atores.
É importante fazer a pergunta pelo avesso: e se os moradores de Pinheiros tivessem se omitido, como faz a maior parte da população mais rica e mais branca?
Se os moradores de Pinheiros tivessem se omitido, algo invisível e terrível teria acontecido. Numa camada mais profunda, foi isso que algumas pessoas que entrevistei relataram. O que provocou o movimento foi também a percepção de que, caso ficassem caladas, estariam todas perdidas. Testemunhar a execução de alguém que conheciam, em plena rua, no horário de pico, sem nada fazer, porque era negro e porque era pobre, teria tornado impossível voltar a riscar qualquer limite. Estariam todas além de qualquer retorno, e com elas o país.


- Eliane Brum, em EL PAÍS, Julho de 2017.
[https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/24/opinion/1500906089_804382.html?id_externo_rsoc=FB_CC]

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