TEMA NOVO: A CULTURA DO CANCELAMENTO

TEMA MODELO FUVEST/VUNESP/PUC

ESCREVA UMA DISSERTAÇÃO ARGUMENTATIVA SOBRE A CULTURA DO CANCELAMENTO.
TEXTO 1.

“O cancelamento é fechar o debate. Essa cultura é um comportamento de manada.”
Rosana Pinheiro-Machado - antropóloga e cientista social, professora na Universidade de Bath (Reino Unido) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), autora do livro "Amanhã vai ser maior - o que aconteceu com o Brasil e possíveis rotas de fuga para a crise atual". Editora Planeta, 2019.
TEXTO 2.

JOÃO PEREIRA COUTINHO

Acabo de assistir a “O Oficial e o Espião”, o mais recente filme de Roman Polanski — que estreia no Brasil no dia 12 de março. É bom? É ruim?

Essas perguntas, para o espírito do tempo, não fazem mais sentido. O filme, repito, é de Roman Polanski. O diretor que estuprou uma menor nos Estados Unidos em 1978.

Após acordo judicial, a acusação baixou a fasquia para relações sexuais com menor. Mas Polanski não esperou pela sentença. Fugiu para a Europa e nunca mais regressou aos Estados Unidos para cumprir a sua pena.

Para piorar as coisas, uma fotógrafa francesa também acusou recentemente o diretor de a ter violado. Em 1975. Polanski nega tal fato, mas a presunção de inocência é hoje artigo raro nas democracias midiáticas, ambiente da "cultura do cancelamento".

É com esse historial que se entende a polêmica com “O Oficial e o Espião”. Quando o filme foi indicado a vários prêmios César (o Oscar do cinema francês), a direção da academia não aguentou o clamor dos críticos e se demitiu.

Mas o melhor, ou o pior, ainda estava por vir: Polanski venceu o César de melhor diretor. Várias atrizes presentes na cerimônia abandonaram a sala em protesto. Tal como afirmou o ministro da Cultura francês, em frase que resume bem a polêmica, os delitos de um artista não são compensados pelos méritos da sua arte.

Boa frase. Verdadeira, também. Mas, se o ministro me permite, quem disse o contrário?

Eu, não. Juridicamente falando, Polanski deve ser julgado pela Justiça americana; caso seja condenado, deve cumprir pena, como qualquer criminoso. E a acusação recente de estupro deve ser investigada; caso o diretor seja culpado, deve pagar pelo crime.

O ponto não é jurídico. É artístico. Se os delitos de um artista não são compensados pelos méritos da sua arte, então os méritos da sua arte não podem ser descompensados pelos delitos de um artista.

Negar essa simples asserção — no fundo, negar a autonomia da arte por causa da conduta imoral ou ilegal do homem que a produz — implicaria repudiar uma parte substancial da história da cultura.

Caravaggio foi um homicida. Cellini foi pior: um serial killer. Wagner era antissemita. Tal como Pound ou Céline. D. W. Griffith era racista. Eric Gill era pedófilo. Vamos jogar na fogueira os quadros, as músicas, os livros, os filmes ou as esculturas de todos eles? Ou devemos distinguir universos morais distintos?

A resposta a essas questões encontra-se, ironicamente, em “O Oficial e o Espião”. O filme, que é a melhor colheita de Polanski desde 2010 (“O Escritor Fantasma”), reconstitui o caso Dreyfus, que dividiu a França na última década do século 19.

Conto rápido: Alfred Dreyfus, capitão do Exército francês, foi acusado de passar informações militares para a Alemanha. Acusação grave: a França tinha sido derrotada pelos alemães na Guerra Franco-Prussiana, em 1871, o que significava que Dreyfus espiava para o grande inimigo da República.

Julgado em tribunal militar, foi condenado a cumprir prisão perpétua na Ilha do Diabo, na Guiana Francesa, em 1894. Pelo menos, até Marie-Georges Picquart assumir o cargo de chefe da inteligência militar, em 1896, e descobrir que o verdadeiro “crime” de Dreyfus era ser judeu. As provas que o condenaram tinham sido forjadas — ou erroneamente interpretadas.

Dreyfus só seria completamente exonerado e reintegrado ao Exército em 1906. Mas o filme de Polanski, um prodígio de reconstituição histórica e elegância formal, não se concentra em Dreyfus.

O seu objeto principal é Picquart, que batalhou pela inocência do capitão e enfrentou o antissemitismo institucional da Terceira República apesar de também ser um antissemita.

É o próprio Picquart quem o confessa a Dreyfus, anos antes da condenação, quando era seu professor na academia militar. O jovem Dreyfus acusa Picquart de não ser justo nas notas porque não gosta de judeus.

O professor responde: sim, não gosta de judeus; mas jamais confundiria as suas inclinações pessoais com os seus deveres.

No fundo, Picquart é essa ave rara: alguém que sabe distinguir duas esferas morais distintas, algo que os acusadores de Polanski não conseguem.

É por isso que o título do filme (“J’Accuse”, no original, que significa “eu acuso”) não é apenas uma homenagem ao artigo com o mesmo nome que Émile Zola publicou em 1898, no jornal L’Aurore, defendendo Dreyfus e acusando o governo e o Exército de conduta ignóbil.

É também uma acusação de Polanski a todos aqueles que, confundindo biografia com filmografia, misturam suas repulsas instintivas com questões de justiça básica.

João Pereira Coutinho. Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa. FSP 3.03.2020. Adaptado.




TEXTO 3.




Muitos daqueles que foram alvo de cancelamentos, ou que se solidarizam com pessoas que tenham sido criticadas dessa forma, se queixam de uma perseguição inquisitorial que cercearia o discurso e as ações de comediantes, artistas, políticos e youtubers.

Críticos apontam ainda que as reações muitas vezes alcançam dimensões desproporcionais ou se dão sem base em fatos.

“Não existe qualquer zona cinzenta a partir da lógica do espetáculo”, pondera o doutor em psicologia Leonardo Goldberg. “E a cultura do cancelamento entra nessa esteira de modo completamente arbitrário, porque [faz parte] da lógica da não contradição, tão presente na internet. Não existe conversa ou escuta”.

“Acho que o [aspecto] negativo é a forma como a gente lida numa certa cultura do ‘hater’, do ódio, esquecendo que precisa fazer críticas mais embasadas e ter mais consciência coletiva da nossa responsabilidade”, disse ao Nexo a colunista e feminista Stephanie Ribeiro.

Os efeitos da cultura do cancelamento, no entanto, são em geral menos efetivos do que os “canceladores” poderiam desejar e do que os “cancelados” costumam alardear.

“Às vezes, é uma forma até meio rasa de lidar com questões que são estruturalmente muito complexas”, afirma Ribeiro. “Não vejo impactos muito reais em relação a manifestações virtuais que confrontam comportamentos ou falas”.

Ela cita o caso do jornalista William Waack, que foi demitido da Rede Globo após o vazamento de um vídeo no qual fazia comentários racistas, e teve sua contratação recentemente anunciada por uma nova emissora.

Ela afirma que a duração e o impacto do cancelamento têm “muito a ver com o lugar social que cada qual desses atingidos ocupa e o peso que a sociedade dá ou não para o que está sendo apontado”, lembrando do caso do músico Wilson Simonal, um homem negro, “cancelado” pela classe artística e intelectual na época da ditadura militar por ser visto como informante do regime.

O autor do artigo da New Republic, Osita Nwanevu, vai ao encontro desses questionamentos sobre o verdadeiro impacto da cultura do cancelamento, sugerindo um entendimento mundano da questão: enxergá-la como expressões públicas e corriqueiras de desagrado, manifestadas por pessoas comuns em novas plataformas.

“Se nos vemos passando vertiginosamente de ultraje em ultraje a cada semana, devemos considerar que isso nunca custou tão pouco ou resultou em provocadores e ‘contrariadores profissionais’ ganhando tanto”, escreveu.

Embora critique a ausência de diálogo que impede “qualquer operação simbólica que possa fazer aquela pessoa mudar de opinião, porque ela é simplesmente cancelada”, Goldberg vê de maneira positiva que as críticas transformam os discursos públicos “em algo atravessado por uma política daquilo que concerne a população, ao bem maior. Todos aqueles que passam a emitir discursos públicos vão ter que se haver com aquilo que dizem”.

Além de mostrar que temas como o feminismo e o combate ao racismo estão mais difundidos, o efeito sobre discursos preconceituosos de figuras públicas também é o aspecto da cultura do cancelamento que Stephanie Ribeiro identifica como positivo.

“Hoje uma pessoa não pode dar uma entrevista e falar algo racialmente absurdo, porque alguém vai dizer 'não, isso está errado'. E aí isso vira uma chuva de comentários e de tuítes, de falas, ações, respostas, vídeos. É muito positivo perceber que as pessoas estão identificando mais facilmente determinadas condutas”, disse.

Quais as origens do fenômeno?

Internacionalmente, a ideia de cancelar celebridades é relacionada ao movimento #MeToo, série de denúncias de assédio sexual contra homens poderosos que se espalhou pelo mundo a partir de 2017, e que fez com que vários agressores fossem “genuinamente ostracizados em uma onda cultural de alta velocidade impulsionada pelas redes sociais”, segundo descreve o jornalista Osita Nwanevu em uma análise na revista americana New Republic.

Em meados de 2018, uma reportagem publicada no jornal New York Times explicava o fenômeno ao declarar que todo mundo estava cancelado, citando Kanye West, Taylor Swift e Gwen Stefani, entre outras celebridades.


Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/11/01/Quais-os-efeitos-da-cultura-do-cancelamento





TEXTO 4.


"CANCELAMENTO"- Para o dicionário “Macquire”, o mais popular do inglês australiano, esse é o termo que define 2019. Ele o explica como “atitudes de uma comunidade para interromper o apoio a uma figura pública, como o cancelamento do papel dela em um filme, o banimento de uma música dela ou sua remoção das redes sociais. Geralmente, essas atitudes são uma reação a acusações sobre comentários ou ações inaceitáveis socialmente”. 


Um artista falou algo controverso com o qual você não concorda? Pela lógica do cancelamento, você pode recorrer à rede social mais próxima e declarar: ele está cancelado. Em muitos casos, o cancelamento é uma denúncia contra declarações e atitudes consideradas racistas ou homofóbicas, por exemplo.

Diga-me quem cancelas...

"Se quero falar para o mundo nas minhas redes sociais que sou feminista, pego o caso de uma celebridade e me posiciono a partir dele”, elabora Fernanda Medeiros, pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade (Gris), da Universidade Federal de Minas Gerais. Cancelar, portanto, transforma-se em afirmação da identidade de um grupo – por isso, é comum entre minorias.

Nas eleições de 2018, a cantora Anitta foi bombardeada por mais de 214 mil posts no Twitter marcados com a hashtag “AnittaIsOverParty” (algo como “festa para celebrar o fim da Anitta”). O movimento partiu de um público LGBT que lamentava o fato de a cantora não se posicionar contra Jair Bolsonaro. 

Mais do que demarcar posições sociais, cancelar pode servir para evidenciar pautas importantes, como os casos de Woody Allen e do ator Kevin Spacey, que giram em torno de acusações de abuso sexual. “Isso abre portas para debater a questão do assédio”, aponta Medeiros. 

Um estudo publicado neste ano por pesquisadores da Universidade Yale (EUA) avaliou os efeitos do movimento MeToo, no qual mulheres contam, nas redes sociais, suas histórias de abuso sexual inspiradas por celebridades que acusaram o figurão do cinema Harvey Weinstein. 

A pesquisa descobriu que, nos primeiros três meses da campanha, iniciada em outubro de 2017, as denúncias de crimes sexuais aumentaram, em média, 14% nos países avaliados, como EUA e Austrália. 

Atitude negativa

Em outubro, o ex-presidente dos EUA Barack Obama reuniu-se com jovens em um debate e alertou contra a cultura do cancelamento: “Ela não é ativismo. Não traz mudanças. Se tudo o que você faz é jogar pedras, provavelmente não vai chegar muito longe”.

A antropóloga e cientista social Rosana Pinheiro-Machado concorda: “Cancelar é sempre negativo. O problema não é a crítica – criticar posições públicas é fundamental. O problema é quando isso escorrega para uma negação do sujeito, do que a pessoa tem a dizer e do que faz”. 

Com postura politicamente à esquerda, ela lamenta ao ver pessoas desse espectro cancelarem alguém por um posicionamento, pois identifica traços de uma direita mais extrema, na indisposição ao diálogo. 




TEXTO 5.




Vivemos a era do cancelamento. Exatamente por isso, nunca foi tão importante saber dialogar. As pessoas interagem, se expressam, se posicionam de forma simples e natural.

Renata Serafim. CSO da Lew’Lara\TBWA. A era do cancelamento – dá pra cancelar? Para as marcas, isso pode ser uma grande razão de frio na barriga


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