Isto não é um Bolo!

Isto não é um Bolo - nota sobre o texto "Time is honey" de Antonio Prata. 

É famosa a pintura do artista belga, René Magritte, em que se lê uma imagem de um cachimbo e a legenda logo abaixo dizendo: "Isto não é um cachimbo." A obra surrealista de Magritte questiona o poder da Arte, e muito mais, pois faz o expectador se questionar o que é realmente um cachimbo, já que  a imagem de "une pipe" é uma representação de "une pipe" e não o que materialmente é. Assim é a natureza da arte, assim é a natureza da metáfora, assim é a natureza da literatura, assim é a natureza daqueles que pensam acima da média. O grande artista questiona, faz o expectador questionar, faz aceitar ser provocado e com isso pensa com "verticalidade", ou seja, pensa por meio de metáforas.

O texto de Antonio Prata "Time is honey" (reproduzido abaixo) aponta um alto índice de crítica e pensamento metafórico, pois o que ele descreve como "bolo da avó" não é um bolo.

O que Antonio Prata chama de "bolo da avó" é uma metáfora para Relacionamentos Humanos. Tanto é que ele não critica o gosto dos bolos industrializados, nem o sabor, nem se é alimento ou não, mas critica, vorazmente, como a Industrialização, que poderia dar facilidades e confortos aos seres humanos, na verdade e contraditoriamente, transformou o homem em máquina, que não se relaciona com os Outros com naturalidade e gentileza, não tem liberdade, não tem afeto, não é capaz de parar o modo de produção em nome da família e do cuidado humano.

Não entende que ter gentilezas é entender que o OUTRO é um outro de Si mesmo. Afinal, o EU é o OUTRO para o OUTRO, que é o seu EU. Ou seja, simplesmente, hoje o homem contemporâneo, na maioria das vezes, não se coloca no lugar do Outro.

Exemplo: O "bolo da avó" é uma metáfora que mostra que o tratamento médico/paciente pode estar se perdendo, quando o médico não trata o paciente pelo nome, não o toca, não o ausculta, não o investiga socialmente perguntando sobre seus hábitos alimentares, de atividades físicas, de consumo de remédios e outros fármacos. Falta, ao trato médico, humanidade. Humanidade para se relacionar e tocar o Outro com cuidado. Para cuidar do Outro. Algo que a avó, mesmo que compre o bolo na esquina, industrializado, ao chamar o neto ou filho para comer um bolo o faz pelo carinho e a reflexão da vida que é o ato. O bolo industrializado pode ser tão saboroso quanto o feito pela própria avó, e isso não tira o aconchego de comer o bolo com a avó, na casa dela, aos cuidados dela. O bolo industrializado ganha, assim, gosto de "bolo de avó".

O "Bolo da Avó" é uma metáfora que critica o uso, como desculpa, como justificativa, que o homem contemporâneo se faz para não se RELACIONAR HUMANAMENTE com o OUTRO. Isto é a crítica de Antonio Prata: a falta de trato humano, de gentilezas, de gestos éticos, de cuidados que o mundo industrializado anda colocando na linha de montagem. Puro fordismo de pessoas. Monta-se homens-código de barras.

Um professor sem trato humano, não transmite valores e conhecimento, mas apenas informação. Este professor poderá ser substituído por uma máquina. Aí está a crítica de Prata!

Só um professor que tem a noção de que o aluno busca o conhecimento, não só nas informações, mas busca no exemplo que o professor pode dar pelo modo como age, pelo modo como escolhe as palavras, pelo gesto como trata cada um dos alunos, ou pelo modo como um médico recebe e cuida de seus pacientes, é que se nota que nenhum professor, médico, dentista, secretário, aluno, "bolo de avó" pode ser substituído por algo mecânico. 


É preciso sabedoria para entender a metáfora, como é preciso para ser um ótimo professor  ou médico. É preciso buscar a admiração que requer as profissões de Médico e Professor. O conhecimento está na credibilidade e na admiração como elementos motivadores.

Definitivamente o "bolo da avó de Antonio Prata" não é um bolo. É a representação de uma sociedade consumista e industrializada.

Por isso, o tempo é mel. É doce, Honey! É deleitoso, como um bolo de avó, mesmo que comprado na padaria da esquina. Por isso é tempo de mergulhar em metáforas, para ver se o pensamento ganha Liberdade e Autonomia, duas das mais altas virtudes humanas em sociedades avançadas:

Vamos ao nosso "Time is Honey", entendendo agora suas metáforas.
Boa leitura!  

De Antônio Prata com "Time is Honey"
"Poucas coisas neste mundo são mais tristes do que um bolo industrializado. Ali no supermercado, diante da embalagem plástica histericamente colorida, suspiro e penso: estamos perdidos. Bolo industrializado é como amor de prostituta, feliz natal de caixa automático, bom dia da Blockbuster. É um anti-bolo.
Não discuto aqui o gosto, a textura, a qualidade ou abundância do recheio de baunilha, chocolate ou qualquer outro sabor. (O capitalismo, quando se mete a fazer alguma coisa, faz muito bem feito). O problema não é de paladar, meu caro, é uma questão de princípios. Acredito que o mercado de fato melhore muitas coisas. Podem privatizar a telefonia, as estradas, as siderúrgicas. Mas não toquem no bolo! Ele não precisa de eficiência. Ele é o exemplo, talvez anacrônico, de um tempo que não é dinheiro. Um tempo íntimo, vagaroso, inútil, em que um momento pode ser vivido no presente, pelo que ele tem ali, e não como meio para, com o objetivo de.
Engana-se quem pensa que o bolo é um alimento. Nada disso. Alimento é carboidrato, é proteína, é vitamina, é o que a gente come para continuar em pé, para ir trabalhar e pagar as contas. Bolo não. É uma demonstração de carinho de uma pessoa a outra. É um mimo de avó. Um acontecimento inesperado que irrompe no meio da tarde, alardeando seu cheiro do forno para a casa, da casa para a rua e da rua para o mundo. É o que a gente come só para matar a vontade, para ficar feliz, é um elogio ao supérfluo, à graça, à alegria de estarmos vivos.
A minha geração talvez seja a primeira que pôde crescer e tornar-se adulto sem saber fritar um bife. O mercado (tanto com m maiúsculo como minúsculo) nos oferece saladas lavadas, pratos congelados, comida desidratada, self-services e deliverys. Cortar, refogar, assar e fritar são verbos pretéritos.
Se você acha que é tudo bem, o problema é seu. Eu vou espernear o quanto puder. Se entregarmos até o bolo aos códigos de barras, estaremos abrindo mão de vez da autonomia, da liberdade, do que temos de mais profundamente humano. Porque o próximo passo será privatizar as avós, estatizar a poesia, plastificar o amor, desidratar o mar e diagramar as nuvens. Tô fora."

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