Nota teórica de esclarecimento da correção de Redação do Ciclo FUVEST



Alunos,
Sobre a difícil tarefa de discutir o “Patrulhamento Linguístico”
As redações sobre "Patrulhamento Linguístico" (Ciclo 1 – FUVEST) estão já nas mãos dos alunos e nelas as notas mostram a dificuldade que tiveram para lidar com o tema. Foi um belo exercício de início de ano, pois fez o aluno pensar e mostrar a que veio. Contudo alguns pontos foram cruciais para correção pesada do início de ano (vou ser um pouco mais teórico para dar conta da complexidade do tema, peço desculpas, mas é importantíssimo, já que o tema é muito atual e salutar):
1) Sobre a complexidade e a “briga por termos” - Os textos escolhidos (dois artigos do filósofo e colunista da Folha, Hélio Schwartsman) são um bom aporte para o tema, porém, propositalmente, colocam o aluno a questionar os exageros do “patrulhamento linguístico”, em torno da briga pelo uso de “homossexualismo” e “homossexualidade”. Tudo isso fica como lugar de conflito ao trazer dois bons exemplos da “briga por termos” que temos em nosso cotidiano cada dia mais real, para que o aluno questionasse a função dos sufixos – “ismo” ou “dade” -, podendo conotar (o primeiro dos sufixos) patologia ou não.
2) Sobre a Sociedade em Transformação e a Palavra como o melhor indicador das mudanças sociais - É importante ficarmos espertos quanto às mudanças e às brigas pela palavra, pois elas fazem a consciência ganhar fôlego, por isso vale a pena prestar atenção em um trecho importante de um pensador russo, pensamento, este, bem poderoso e vivo que diz que a palavra é o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, das mais pequenas até as maiores:
"As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É, portanto, claro que a palavra será o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram forma, que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e bem formados. A palavra constitui o meio no qual se produzem lentas acumulações quantitativas de mudanças que ainda não tiveram tempo de adquirir uma nova qualidade ideológica, que ainda não tiveram tempo de engendrar uma forma ideológica nova e acabada. A palavra é capaz de registrar fases transitórias mais íntimas, mais efêmeras das mudanças sociais." (Mikhail Bakhtin, em 1929)
3) Sobre a Parcialidade Teórica de Schwartsman - Apesar do lugar de poder do filósofo e colunista, há falhas teóricas no conteúdo do artigo (difíceis de ver), já que os artigos direcionam apenas para a estrutura da língua, da gramática, ou da etimologia dos sufixos, e esquece que a palavra é tensionada por questões vivas, por questões de cunho social, histórico e ideológico que geram a “briga por termos”. Ou seja, Hélio Schwartsman trata a língua como signo morto; enquanto na realidade, quando uma palavra aparece, ou é questionada socialmente, isto é um bom sinal de que modificações, ações, atitudes e ideologias estão à prova. Este é o caso das várias manifestações na Língua Portuguesa ultimamente, como “macaco”, “afrodescendente”, “preto” ou “negro”. Tais questões são todas de fundo material e histórico. “Sabemos que cada palavra se apresenta como uma arena em miniatura onde entrecruzam e lutam os valores sociais de orientação contraditória. A palavra revela-se, no momento de sua expressão, como produto da interação viva das forças sociais.” (Mikhail Bakhtin). Então falar é agir; é ter atitude; é fazer política ou disputa política pela ética.
Valeria dizer também que palavra é ação, falar é um ato social, pois segundo a Pragmática (Ciência da Linguagem de raiz anglo-saxônica, com forte base em Peirce), por exemplo, chega-se a dizer que "o sentido de uma ideia corresponde ao conjunto dos seus desdobramentos práticos"; com isso logo notamos que a ideia do "politicamente correto" é algo que precisa ser muito debatida, já que se o homem é o único animal dotado de língua e o único a viver de política (zoon-politikon, Aristóteles), por conseguinte, ele quando fala com os seus, a sua linguagem se adapta ao contexto e ao interlocutor em um claro filtro linguístico ou patrulhamento, em um claro filtro de bom senso. Exemplificando: com a nossa mãe usamos de uma política de linguagem, usamos certas palavras só com a mãe; que muda quando falamos com nossos amigos adolescentes ou de mesma idade; que muda quando falamos com nossos professores de cada matéria, por exemplo, não costumamos usar termos da Trigonometria com o professor de Literatura, e vice e versa. Isto pode ser o lado bom do patrulhamento linguístico, pois ele é selecionado pelo contexto, pela situação.
Em cada contexto há uma política correta a ser usada, há uma forma correta de falar com as pessoas, há um "politicamente correto" que bebe da fonte da ética, pois se comunica com o Outro na busca da dignidade do Outro. Sendo assim o "Patrulhamento Linguístico" também é positivo, pois policiamos o que falamos para cada pessoa que dialogamos. Isto faz parte dos bons modos, do bom convívio. E afinal, como diria o Professor Doutor de Ética da USP, Clóvis de Barros Filho, “ética é o bom uso da inteligência, da política e da linguagem a serviço do bom convívio social.” Ou seja, há o lado bom do “patrulhamento linguístico”, que poderia ser abordado para dar mais densidade ao tema. Hélio Schwartsman apenas aponta o lado negativo ao não entrar no mérito social e histórico das lutas reais da comunidade homoafetiva, já que se resume a apoiar-se, primordialmente, na etimologia, e esquece-se que as disputas sociais quando aparecem,marcam na língua seu primeiro lugar de manifesto.
Em suma, há uma visão que vê que se a linguagem social aponta, logo algo novo está surgindo ou se manifestando. Por exemplo, é quando se houve que haverá campanhas sobre “O Orgulho Hétero”, logo vê-se que é em resposta aos homoafetivos. Em resposta as conquistas políticas homoafetivas das últimas décadas. Porém, há um problema e uma falha grave no “Orgulho Hétero”, já que a discriminação aos homossexuais é histórica, ainda mata e matou muita gente, mas dificilmente um homem macho e hétero é discriminado por gostar de mulher em nossa formação cultural ocidental (vale pensar nisso depois).
O tema é inóspito, mas é muito atual. Tratá-lo com parcialidade teórica e etimológica é apagar a semântica, o materialismo histórico da palavra, que diz que o "substantivo" ou o “nome” é um signo cultural e ideológico por excelência. Este signo reflete e refrata a sociedade. Chamar alguém de "macaco" tem cargas bem mais pejorativas que chamar de "afrodescendente", pois um retira a humanidade do Outro; enquanto a segunda, busca reconhecer as raízes culturais e a ancestralidade do interlocutor, além de ser uma forte oposição ao pensamento eurocêntrico. São essas sutilezas que a sociedade está nos cobrando. Coisas que nos dão maior capacidade de conscientização dos temas em debate.
É importante ter os dois lados da questão para fazer uma Redação bem substancial. As redações que tomaram só um lado e não trouxeram exemplos consistentes ficaram com nota baixa, mas se trouxeram bons argumentos e bons exemplos, mesmo que em defesa de um lado só, tiveram notas boas. Afinal cobramos a consistência argumentativa do aluno neste início de ano. Não tivemos nenhum Dez.
3) Sobre o "Politicamente Correto" e o "Patrulhamento Linguístico" – Dois termos que ganharam socialmente uma carga pejorativa, pois representam aquele estado de polícia permanente, de patrulhamento exagerado de palavras, de gestos, de atitudes. Representam aquele estado de "Vigilância epistêmica" (que já foi tema da FUVEST). Contudo, como vimos, têm duas facetas: uma positiva que é dar ao homem modos mais salutares de convívio; e uma negativa, que é apenas ficar patrulhando as palavras e não cobrar as atitudes. A saída para o impasse passa por entender que as palavras são também atitudes e que as atitudes são fruto da consciência cultural, familiar ou individual, cujo principal alimento é a palavra. Isto é, o alimento e veículo da consciência humana é a linguagem, esta ponte perene do convívio humano.
Por isso cuidar da palavra é também ser ético, independente do "patrulhamento linguístico", o mais importante sempre será a dignidade do ser humano preservada em seu estado de liberdade, em respeito ao Outro, ao diferente de nós.
E sabemos como é sutil o limite entre o Eu e o Outro, por isso cuidar do que escrever, falar e discutir podem fazer toda a diferença na hora do vestibular. Os mais preparados eticamente sempre escrevem melhor.
Boa sorte e bons estudos!
Estou na Vila de segunda e terça, sempre esperando e disponível para conversar com cada texto e cada um de vocês.

Procurem-nos nos Atendimentos!
Vai ser divertido e cheio de trabalho nosso ano! 
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Que venha a Medicina!


Abraços,

Fabrício Oliveira 
Coordenador de Redação da Vila Mariana. 
Doutor em Linguística e Filosofia da Linguagem pela Universidade Federal de São Carlos.

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