Respostas para as peguntas sobre Hannah Arendt
"Consciência é o diálogo consigo mesmo" - Aristóteles
Há relação entre a banalidade do mal e a atribuição de culpa a um indivíduo e não ao sistema todo?
Há relação entre a banalidade do mal e a atribuição de culpa a um indivíduo e não ao sistema todo?
Não. O conceito de Banalidade do Mal procura entender, na verdade, como um indivíduo pode veicular um mal absoluto sem que se dê conta disso. Nesse sentido, Arendt mostra que Eichmann era incapaz de pensar, de refletir porque estava inserido em um sistema que tornava quase impossível esse ato. Ainda assim, como podemos ver no filme, isso não significa que, para Arendt, Eichmann não fosse culpado, mas apenas que devemos entender como foi formado esse indivíduo que, longe de ser um monstro, é destituído de qualquer vestígio de racionalidade crítica.
A culpa, segundo o
conceito da filósofa alemã, só pode ser atribuída ao indivíduo que se exime de
capacidade de pensar. De responsabilizar-se. De conscientizar-se.
Até que ponto o burocrata pode ser diferente da concepção de “super-homem” que também tem parte de sua culpa eximida? Como poderia ser considerada essa “redenção” em relação aos resultados da negligência social? Ele é, nos dois casos, negativa, ou apenas “justificada”?
Friedrich
Nietzsche foi uma grande influência para Hannah Arendt e também para seu mestre
Martin Heidegger. A despeito disso, não é possível traçar um paralelo seguro
entre a figura do burocrata e a do super-homem nietzschiano. Isso porque
enquanto o primeiro se mostra totalmente integrado ao sistema e consegue apenas
reproduzir aquilo que sua função exige, ainda que a atividade requisitada possa
ser monstruosa, o segundo compreende a imanência dos valores morais e, por meio
dessa consciência, consegue, entre outras coisas, superar a ideia de culpa
católica. No entanto, devemos observar que a figura do burocrata é um tipo
social específico e historicamente existente, enquanto a figura do super-homem
é apenas uma formulação teórica da parte de Nietzsche, que nunca identificou
essa teoria com nenhum personagem histórico específico. Além disso, é importante
notar que a noção de culpa combatida por Nietzsche é aquela do catolicismo,
enquanto a “culpa” do burocrata é de outra ordem – é a culpa resultante de um
crime.
O Eichmann é de um contexto de
antissemitismo e que antecedeu o regime nazista. Entretanto, ele é
descontextualizado (segundo ele) das suas funções dentro do sistema (não tinha
conhecimento das consequências e tal). Diante dessa “contradição”, eu digo
então que o Eichmann é fruto do sistema ou alienado dele, inconsciente?
Eichmann
tinha noção precisa das consequências de seus atos. O que ele advogava era que
não eram seus atos em específico que matavam os judeus. Suas ações eram apenas
de cunho técnico-administrativo, e, nesse sentido, ele não poderia ser
responsabilizado pela ação de terceiros.
O estudo de Hannah Arendt mostra como Eichmann não era um
alienado, era, na verdade, um produto perfeito do sistema, pois ele não
apresentava nenhum traço de consciência. Eichmann era um indivíduo que não
consegui refletir sobre seus atos ou julgar se eles eram moralmente corretos,
pois ele estava inserido em um sistema que conseguiu moldá-lo até desumanizá-lo
por completo. Por outro lado, ele também tinha culpa individualmente, ou seja,
deixou-se consumir por esse sistema totalitário – e isso não aconteceu com
todos que foram expostos a ele, o que mostra que ele também, de alguma forma,
aceitou que isso acontecesse. Arendt mostra, no entanto, que esse sistema
totalitário era tão forte que podia convencer tanto pessoas aparentemente
comuns, como Eichmann, como pessoas absolutamente brilhantes, como Heidegger.
Assim, vê-se que não era fácil se desprender dessas ideias ou rejeitá-las, mas
que, mesmo que fosse difícil, isso não era impossível.
O julgamento a partir das vítimas
direcionou desde o início o resultado. Por essa emoção do pós-guerra, o sistema
judiciário não deveria ser imparcial? E não levado a um Tribunal em Israel?
Sim, o sistema judiciário deve tentar sempre a
imparcialidade, com risco de perder sua credibilidade. No filme, essa ideia de
que tanto a prisão quanto a condenação de Eichmann à morte eram injustas é
representada pelo segundo marido de Arendt, Heinrich. Contudo, na situação do
julgamento de Eichmann, pesa o fato que ele cometeu inúmeros crimes contra a
população judaica e que, por isso, era altamente simbólico que seu julgamento
fosse feito em Israel. Cabe lembrar também que se tratou de julgamento
extremamente excepcional na história da humanidade dadas as acusações de que
Eichmann sofria. Por fim, é importante observar que os órgãos de direito
internacional ainda não tinham, à época, o mesmo funcionamento que apresentam
hoje, logo a decisão de pena de morte foi menos contestada.
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Um dos problemas tratados por Arent foi como Eichmann justificava sua função com os dizeres: "mas eu só cumpria ordens" ou "se eu não fizesse, outro iria fazer", e com estas justificativas tentava se eximir de sua culpa, ou responsabilidade. E disto Hannah Arendt tirou seu conceito de Banalidade do Mal, que é a capacidade de não se responsabilizar, de não ter consciência humana, de não ter consciência histórica, política, social, cultural e ética.
A Banalidade do Mal está cercando o sujeito contemporâneo. Cercou o Homem do século XX. Intimou suas ações nas Grandes Guerras. Está nos inquirindo no Brasil atual, seja na responsabilização pelas escolhas políticas (maioridade penal, pequenas corrupções), seja nas escolhas cotidianas (intolerância religiosa, limites do humor, liberdade de expressão, discursos de ódio, intolerância racial e sexual).
Hannah era uma pensadora mulher, de teoria difícil. Por isso, nosso conselho é caso queira usá-la nas redações: procurar lê-la em sua profundidade.
Indicações de leitura:
1) Exemplo de Burocrata Zeloso, policial corrupto diz:"só cumpri ordens":
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/06/1644344-de-clipe-a-peca-de-carro-fraudes-em-compras-da-pm-atingem-r-10-mi.shtml
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Um dos problemas tratados por Arent foi como Eichmann justificava sua função com os dizeres: "mas eu só cumpria ordens" ou "se eu não fizesse, outro iria fazer", e com estas justificativas tentava se eximir de sua culpa, ou responsabilidade. E disto Hannah Arendt tirou seu conceito de Banalidade do Mal, que é a capacidade de não se responsabilizar, de não ter consciência humana, de não ter consciência histórica, política, social, cultural e ética.
A Banalidade do Mal está cercando o sujeito contemporâneo. Cercou o Homem do século XX. Intimou suas ações nas Grandes Guerras. Está nos inquirindo no Brasil atual, seja na responsabilização pelas escolhas políticas (maioridade penal, pequenas corrupções), seja nas escolhas cotidianas (intolerância religiosa, limites do humor, liberdade de expressão, discursos de ódio, intolerância racial e sexual).
Hannah era uma pensadora mulher, de teoria difícil. Por isso, nosso conselho é caso queira usá-la nas redações: procurar lê-la em sua profundidade.
Indicações de leitura:
1) Exemplo de Burocrata Zeloso, policial corrupto diz:"só cumpri ordens":
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/06/1644344-de-clipe-a-peca-de-carro-fraudes-em-compras-da-pm-atingem-r-10-mi.shtml
2)Falta quem pense
Porque as lições de Hannah Arendt também valem para o Brasil
por Mino Carta — publicado 09/08/2013 09:05
Certo dia alguém perguntou a Hannah Arendt, a pensadora judia, se gostava do seu povo. “Não – respondeu –, gosto é dos meus amigos judeus.” Tratava-se de uma cidadã muito corajosa, pela ousadia de conduzir sua inteligência pelos caminhos da independência.
O pensamento de Hannah Arendt sempre me atraiu e foi dela que furtei a expressão “verdade factual”, cuja busca é fundamento do jornalismo. Nem bom, nem mau, jornalismo, e ponto. Digo, aquele que a mídia nativa não costuma praticar.
Entra em cartaz um filme de Margarethe von Trotta, a cineasta alemã, intitulado Hannah Arendt. E lá vou eu, devidamente imantado. Conta um largo e decisivo episódio da vida da escritora. O serviço secreto israelense invade a Argentina e sequestra o criminoso nazista Adolf Eichmann, que para lá fugiu logo após a guerra.
Hannah é convidada pela New Yorker a acompanhar o julgamento do criminoso, que Israel instaura em Jerusalém, e a escrever a respeito. Penas iluminadas saíram-se bem em ocasiões similares. Por exemplo, John dos Passos quando da morte de Rodolfo Valentino. A profundidade das observações enriquece a reportagem, mas não tentem explicar o conceito aos editores dos nossos jornalões e revistões.
A escritora aceita a tarefa insólita, e viaja a Jerusalém, onde a esperam velhos e queridos amigos. Von Trotta insere na sua filmagem trechos do documentário realizado durante o processo, e sabe escolhê-los, de sorte a expor a personalidade do réu a bem da fluência do enredo.
Passa-se um tempo antes que Hannah, de volta a Nova York, onde vive e leciona, passe à escrita. Uma demorada reflexão obriga-a a um penoso exercício de espeleologia interior, à caça do verdadeiro rosto de Eichmann. Quem é ele? Um homem que não pensa, conclui a filósofa-repórter, algo assim como um autômato. E esta é verdade factual.
Burocrata zeloso, Eichmann incumbe-se da inexorável pontualidade dos trens que carregam dezenas de milhares de judeus para os fornos crematórios, assim como faria se em lugar de seres humanos houvesse gado, ou cães raivosos. Ele executa ordens sem inquirir a sua consciência a respeito de coisa alguma, com obediência robótica à vontade do Führer. Desta investigação alma adentro de um criminoso exemplar nasceria uma das obras mais notáveis de Hannah Arendt, A Banalidade do Mal.
A nação judia entendeu que uma das suas cabeças privilegiadas defendia Eichmann, e mesmo os amigos mais queridos, e os diretores da universidade onde lecionava, a condenaram sem recurso. Eles também não pensavam. Outro filósofo disse “penso, logo existo”. No entanto, que significa pensar? Tudo se reduziria apenas e tão somente à consciência da existência? Donde, à percepção do efêmero, colhida pelo ser pré-histórico, talvez em meio a uma clareira remota iluminada pela lua, ao erguer os olhos e se inteirar pela primeira vez do céu estrelado.
Hannah apontou também as responsabilidades das lideranças judias, que, entre outras coisas, não haviam hesitado em violar as fronteiras argentinas e em evitar um processo internacional como a Justiça recomendava. Com isso, piorou muito a sua situação aos olhos judeus. Impecável, de verdadeiro jornalista, foi o comportamento do diretor da New Yorker. Até seus colaboradores mais próximos se empenharam para impedir a publicação dos textos da “enviada especial”. Ele foi até o fim e os estampou sem arrependimentos.
O homem é um bicho imperfeito, muito imperfeito, a gente sabe. Dispõe dos instrumentos para pensar, mas a maioria não sabe usá-los. A maioria felizmente não é de criminosos nazistas, mas é incapaz de fugas do clichê, do chavão, do lugar-comum, da frase feita. Deste ponto de vista, a sociedade emergente do Brasil é imbatível, ipsis litteris repete incansável as passagens mais candentes dos textos de jornalões e revistões enquanto os jornalistas aderem automaticamente às crenças dos seus patrões. Na terra da casa-grande e da senzala, a maioria vive ainda no limbo e os senhores jogam ao lixo o patrimônio Brasil. O mundo atravessa dias decadentes, é inegável. O País, contudo, bate recordes nestas areias movediças
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