Correção de Redação não é algo estético simplesmente, mas uma técnica ética.



Precisaremos de duas pílulas literárias antes de fazer uma análise de alguns modos de correção de Redação e como lidar com os alunos, potencializando-os.


A primeira delas é um crônica poética de Drummond:



A segunda é um escrito de Guimarães Rosa sobre sua vida:

"Fui médico, rebelde, soldado.
Como médico, conheci o valor do sofrimento;
Como rebelde, o valor da consciência;
Como soldado, o valor da proximidade da morte."



[João Guimarães Rosa, escritor e médico brasileiro, autor do mais complexo e fantástico livro de Literatura do Século XX no Brasil - Grande Sertão: veredas]

Duas pílulas literárias que abrem nossas sinapses. Vamos precisar delas para pensar o mundo e como o mundo quer despotencializar as pessoas, quando as pessoas buscam pontencializar-se.

Vamos a um relato e uma briga profissional/pessoal.

Outro dia fui chamado para uma reunião com profissionais que respeito, para decidir sobre os modos de Correção da Redação, como muitas vezes participei de correções em Comissões de Vestibular e Escolas, entretanto nessa o que me chamou a atenção foi o alto valor de Mecanicismo  e Esteticismo que se fazia presente nos olhos dos corretores, ou seja, entrei em uma reunião com pessoas que "descontam nota por caligrafia feia" e preferem "copiar a grade de correção do vestibular" do que elaborar uma Grade que cobra do aluno um plus.

Espera aí! Olha só, se for para "Copiar" a grade idêntica do Vestibular fica tudo muito Mecânico! Pois isto toda e qualquer escola pode fazer! E o que diferencia a escola que copia a mesmice das grades prontas? A não ser querer permanecer no conservadorismo e no topo das escolas padrão em que a inovação ajudou a atingir o alto nível?

Isto não é só contraditório, como é um erro. Ainda mais ao se tratar de Educação, em correção de Texto, pois é o engenho e a arte de escrever que notamos como a individualidade e a novidade movem o mundo. Por isso, quando leio um texto há sempre um lugar intocável: o ESTILO do ALUNO, pois é ele que move a correção e faz a correção ser inteligente e não conservadora.

Calma aí! Olha só descontar nota pela "Caligrafia" do aluno é diminuir o texto todo, o pensamento do aluno, a um esforço apenas estético. Claro que ler um texto com caligrafia ruim é mais demorado, chato e eu particularmente não gostava. Mas ao longo destes anos notei que a caligrafia é menos importante que o conteúdo que está no texto. Aprendi com o tempo que um texto com letra ruim pode ter argumentos muito acima da média (ainda mais para uma escola que forma médicos). Descobri a Ética enfrentando a Estética. Ao longo dos anos descobri coisas nas correções de vestibulares que devem servir de desmistificadoras:

1) O aluno pode Escrever em Primeira Pessoa (Singular e Plural). Vide as melhores redações no site da FUVEST, lá há entre as 20 anuais, umas 12 com "NÔS" ou verbo na primeira pessoa do singular como "vejo";

2) O aluno pode escrever além das linhas, nas bordas, pois em estado de tensão e sendo cobrado o aluno pode ter perdido a noção e o corretor não pode tirar nota por isto, pois não tem nenhum critério na Grade de correção para ESTÉTICA do TEXTO;

3) O aluno pode escrever com caligrafia ruim, que o corretor tem até lupa ( em certas comissões de correção) para tentar desvendar o que o aluno escreveu. É o trabalho do Corretor desvendar o  que o texto diz em tudo;


Depois de desmistificar a Correção dos Grandes Vestibulares, preparo-me para dizer o que importa: a autoria do aluno, a capacidade dele de lidar com a pressão e ainda assim ser preciso, sensível e técnico (Note que disse coisas complementares e não exclusoras um da outra).

Claro que é preciso treinar escrever semanalmente para afastar os concorrentes que não escrevem, que escrevem mal e têm caligrafia ruim também, mas é preciso acima de tudo ter treino, exercício, cuidado com o leitor.

O que o Vestibular cobra não é seu conhecimento, mas como você SABE EXPLICAR O QUE SABE PARA O OUTRO DE FORMA CLARA e CONCISA.



Vou dar um exemplo, desta semana:



Um aluno chegou com cinco redações. Notas que variavam entre 5,5 e 9,6. Houve uma evolução clara. Evidente. Chegou com um sorriso de quem sabia exatamente o que estava fazendo ou tinha encontrado seu modo de fazer, seu estilo próprio.

Chegou para agradecer a uma fala minha em sala de aula.
Entrei em sala uma única vez no ano e ele lembrava do que havia dito: "Eu procuro o seu estilo próprio, meu trabalho é fazer você trabalhá-lo e se destacar por isto, não me importo com sua tese, mas como você vai dizer com clareza a sua verdade. Este é meu trabalho."

Ali soube que estava frente a um aluno diferente de todos os outros, que demoram um pouco para amadurecer em troca de ideias, pois havia nele uma escuta longitudinal que parece fazer ele guardar os desafios para serem superados.

Li uma correção em que a corretora (treinada por mim, semanalmente) pedia para ele "evitar aspas" em lugares que ele acertava as aspas, pedia para ele "não fazer perguntas retóricas" em lugares que ele acertava as perguntas e logo em seguida as respondia muito bem.

Hoje em dia não paro para pensar o que fiz de errado no treinamento, mas paro para pensar no que posso fazer de melhor no próximo. Hoje sei que muitas pessoas não ouvem o novo, não estão abertas para o Outro, mas apenas para o que aprenderam e apenas reproduzem. Consequentemente tolhem o Outro. Tolhem o talento alheio por falta de escuta, por falta de trato humano, de cuidado com o texto do outro.

Eu e o aluno não ficamos constrangidos com a falta de sensibilidade da corretora, pelo contrário eu fiquei feliz por ele ter encontrado o caminho próprio e saber com segurança o que estava bom em seu texto.

As perguntas que el pôs foram todas respondidas em todos os textos. Eram perguntas precisas e retóricas por estilo do aluno. Ele as fazia muito bem nos textos. Criava a pergunta e depois vinha com referências atuais e histórias para respondê-las.

As aspas foram colocadas em palavras que ele sabia que o sentido poderia ser conotativo como "Berço de ouro", "meninos de rua".

Olhei para a correção e me questionei como o trabalho de quem potencializa individualidades é difícil em um mundo que treina pessoas para tolher estilos próprios, verdades próprias, individualidades próprias?

O aluno ao sair da sala e disse:

 - Cara, só vim agradecer. Agora sei que as pessoas erram na correção, por não terem um treinamento, um cuidado humano na sua formação, um trabalho que as potencialize, e agora sei que você não irá desistir delas, pois sei que irá ensiná-las, mesmo no erro delas e nos teus. Eu só vim agradecer, pois eu encontrei meu estilo. Você disse que faria isto pela gente, com cada um. E comigo você fez.

Ali, mais uma vez, tive a certeza que certas pessoas não são nossos alunos, mas nossos mestres. É por isso que escolhi a Educação, por potencializar amizades e individualidades. E por valer a pena escrever um texto em que diga: o mundo está ao contrário, mas há ainda chance para poesia, ética e escuta.

Guimarães Rosa disse acima, que por ser Rebelde aprendeu o valor de Consciência. Eu poderia dizer que por ser professor aprendo todos os dias o valor de estar sempre aprendendo.

Ou talvez seja um problema de Poesia, nos olhos, que alimentam um professor que aprende com seus alunos.

Dizem, até, que Ética é isto: o uso das inteligências e potencialidades em diálogo pelo bem comum.
  

Comentários

  1. Achei belas e revigorantes suas reflexões. Creio que o status que a escrita adquiriu nos exames vestibulares tem distorcido o propósito do texto. A dialogia que nomeia seu blog é esquecida, o propósito reflexivo que envolve o diálogo com o outro, a sensibilidade, a marca pessoal, tudo isso é realmente esquecido em nome de "fórmulas prontas". Isso, infelizmente, contamina a formação dos alunos. Recebo alunos que creem que "decorar" frases de efeito desconexas e inserir o nome "Bauman" ligado a "mundo líquido" realmente fará diferença em um texto. E assim, a etimologia da palavra vai se perdendo: não há nada sendo tecido.

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