O argumento do voto de cabresto X Cidadania
Há algum tempo acompanho (ou
melhor, acompanhamos) a profusão do seguinte argumento: programas sociais, como
o Bolsa Família, são programas de “pescaria”. Voto de cabresto. Segundo o argumento, se destinariam exclusivamente
a captar os votos daqueles que podem ser favorecidos por sua execução. Oras,
todo argumento é válido. E, pelo próprio exercício de argumentação, quero
oferecer uma visão particular sobre esse tema.
A lógica do argumento em questão
é: se eu preciso de X, e o partido PX me oferece X, votarei nele para que meu
grupo seja favorecido.
E, pelo mesmo raciocínio, posso
considerar que meu grupo não tem a necessidade de X, mas de Y. E o PY está me
oferecendo exatamente isso. Assim como o PZ oferece Z. E assim por diante.
Bom, contextualizemos, pois.
Nosso governo federal oferece programas ditos assistencialistas. Parcela da
população se interessa por eles, e então sustenta a atitude do governo. Não
entrarei no mérito de discutir a porcentagem da população que os apóia, nem os
contraargumentos mais rasos, como “deve-se ensinar a pescar, e não dar o
peixe”. Seríamos obrigados a discutir políticas de curto, médio e longo prazo,
e isso me parece obscuro ou incerto no discurso político.
De qualquer maneira, é plausível
o argumento do voto de cabresto. Diria que é de fato possível que parte dos
integrantes de um partido tenha como uma de suas metas angariar votos para a
manutenção do poder.
O primeiro ponto que quero
oferecer à discussão é: e se a minha necessidade X não for um programa social?
E se for a construção de
estradas? Isenção de impostos para minha instituição preferida? Privatizações?
Reforço do policiamento?
Nesse sentido, poderia considerar
que qualquer proposta política seria passível de ser interpretada como voto de
cabresto. O que banalizaria o conceito histórico específico.
Mas não, a questão não se resolve
por aqui. Afinal, bem poderiam me confrontar: “mas, meu caro, veja bem, o grupo
favorecido pelos programas sociais possui baixa taxa de escolaridade e,
portanto, de visão crítica sobre a sociedade. Dessa forma, a manipulação se
torna mais fácil”.
E é exatamente aqui que eu
enxergo a fragilidade do argumento. É notável que o não acesso a uma educação
de qualidade afeta a possibilidade de análise crítica de um sujeito. Afeta a
construção de um ser cidadão. Concordo.
O ponto do qual discordo é que a
parte que possui acesso a educação, seja pública ou privada, possui
necessariamente essa formação analítica. Estive em escolas, conheci muitos
alunos, educadores, sou professor, e afirmo com segurança que pelo menos a
maior parte dos alunos não é formada para pensar o bem estar de sua sociedade,
mas sim para conseguir uma boa vaga no mercado de trabalho.
E de maneira alguma isso é uma
crítica. Tenho certeza que eu mesmo tomei muitos direcionamentos nas minhas
decisões por essa lógica. E é assim que o mundo gira atualmente.
Mas o meu ponto é que, se na
educação tradicional, via de regra, o foco não é a formação crítica, mas a
qualificação profissional, parte da bagagem do sujeito em sua capacidade de
questionar (ou não) o que se passa ao redor acaba se deslocando. Ela acaba
sendo preenchida por seu grupo e/ou pelo discurso da mídia.
E, assim sendo, a tendência é que
seu grupo valorize a manutenção de seus próprios interesses e privilégios; e
que a mídia, pelo menos em seu âmbito de maior alcance (notadamente a
televisiva, mas não exclusivamente) reproduza discursos prontos, deglutíveis,
simplistas. Pasteurizados, diria um bom amigo. Palavra de ex-jornalista.
Mediante esse panorama, tendo a
pensar que um grupo que não possui formação crítica é, no mínimo, ingênuo ao classificar
o outro como assim sendo.
E, por isso, rechaço o argumento
de que programas assistencialistas embrenham o voto de cabresto em nosso
contexto sociopolítico. Naturalmente, poderíamos discutir outros aspectos
relacionados a esses programas, mas não é o foco desse debate em específico.
Se essa exposição for
esclarecedora, ótimo. Se não for, que pelo menos sirva de ponto de partida para
um debate mais fundamentado.
Sem pensar em anacronismos, pois se fizéssemos com certeza diríamos que a Democracia Ateniense era desigual, lembro de Péricles. Uma das principais "intervenções" que estão faltando no nosso cotidiano é o sentimento de "bem público", aquele que deveria colocar as necessidades da população acima do individual. Ás vezes sinto que estou morrendo afogado com isso, é sempre assim, ouço críticas contundentes ao outro, análises contundentes até, no entanto, quando essas pessoas pensam que estão fazendo o bem, nem sabem o que oferecer para grande parcela da população. Queria saber o que teriam a dizer Sófocles, Heródoto e Sócrates sobre isso.
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