Eli Pariser: Tenha cuidado com os "filtros-bolha" online.








Um – da natureza das bolhas online

Nas primeiras vezes que atravessei o portal da realidade offline para a realidade online (já parou para pensar que é meio absurdo penar que o online não é real?) havia mapas impressos dos sites que podíamos visitar. A Web era pequena e a grande coisa da Internet era o Gopher.
Não havia bolhas além das que nós mesmos criávamos decidindo não explorar o gopher do Vaticano e preferindo visitar o da universidade de Stanford.
De 2004 para cá a Web se tornou tão gigantesca (o Gopher já estava esquecido há anos) e passamos a interagir com tanta gente que foi se tornando impossível construir sozinhos nossas bolhas.
Pouco antes disso havia o Altavista, o Google da época. Ele não tinha bolhas, você dizia o que procurava e ele te entregava TUDO. Foi esquecido em pouco tempo depois que o Google surgiu com sua inteligência artificial para criar bolhas por nós.
O segredo do sucesso de qualquer lugar online, seja Instagram, Facebook, buscador ou agregador de revistas é criar autonomamente as melhores bolhas para nós. Sem isso é impossível administrar o fluxo de informação e encontrar o que precisamos.
Então é verdade que a Internet pode ser um instrumento para romper todas as bolhas, mas está se tornando uma máquina de nos manter nas bolhas que mais nos interessam.
Anote isso pois vamos precisar mais tarde: as inteligências artificiais que filtram a Internet para nós querem nos dar o que nos interessa.
Anotou?
Vamos usar logo!

Dois – De quem filtra a Internet

Eli Pariser apresentou essa fala em 2011 alertando para a transição dos filtros feitos por humanos para os feitos por algorítmos.
Falta, no entanto uma análise um pouco mais profunda.
A questão não é quem faz os filtros, é para quem esses filtros são feitos. Além dos filtros algorítmicos serem programados por humanos, é claro.
Em última instância quem filtra a Internet (e o mundo todo, a propósito) é você.
Na era pré-Inteligência Artificial os filtros eram feitos por humanos com dois objetivos: reforçar o próprio viés (ou de quem pagava o salário) e atrair a atenção do público alvo. Foi assim que surgiu a imprensa moderna sensacionalista ou a cultura pop que domina a música, a literatura, o cinema. Curadores humanos não são capazes de fazer filtros individualizados.
Então entra o filtro feito por máquinas programadas por basicamente três grupos de pessoas: os programadores da Inteligência Artificial – IA cujo objetivo é manter você por perto, você mesmo ou mesma que decide o que buscará e no que clicará e o comportamento de pessoas que a IA identifica como similares a você.
É por isso que você provavelmente odeia a sua TL no Facebook e as brigas que acontecem por lá: nós somos atraídos tanto pelo que nos agrada quanto pelo que nos desagrada.

Três – Da natureza de todas as bolhas

Entre 70 e 30 mil anos atrás passamos por uma revolução cognitiva quando desenvolvemos, entre outras coisas, linguagem e culturas.
Temos bons motivos para supor que cada grupo de 200 a 400 indivíduos tinha a própria cultura e a própria linguagem, é o que vemos em outros primatas modernos inclusive.
A história da humanidade pode ser considerada também a história da fusão e colisões de bolhas conforme nos reuníamos em grupos cada vez maiores.
Se realmente a cultura também é regida pela teoria da evolução então o encontro de bolhas é parte da natureza dos memes pois no encontro (harmonioso ou violento) entre bolhas gera novos organismos meméticos.
Sendo assim tanto a formação de bolhas quanto seus encontros são inevitáveis.
Offline a distância geográfica limita tanto a formação quanto a colisão de bolhas, mas online apenas os filtros interferem nessa dinâmica.
Uma civilização sem bolhas seria uma civilização caótica… A propósito é o que estamos vivendo agora: as colisões cada vez mais frequentes entre as bolhas mais distantes tanto culturalmente quanto geograficamente.

Quatro – Dos problemas das bolhas

O senso comum parece ser o de que as bolhas nos afastam das bolhas muito diferentes das nossas (como na imagem que ilustra o post), no entanto uma pesquisa publicada em maio de 2015 na Science sugere que não é esse o caso.
O primeiro grande problema das bolhas é a ilusão de que o mundo concorda conosco.
Recentemente visitei a bolha de um grupo político radical e num vídeo um vlogger comentava que seu grupo era o que mais crescia na sociedade, mas oito meses depois, em outro vídeo, ele xingava e ameaçava a população por não agir de acordo. Ele se chocou com a dura realidade.
Isso não é ruim para a civilização, é ruim para você ou para mim se nos deixamos levar por essa falácia e formamos uma ideia errada da realidade.
Outro problema das bolhas é justamente o contrário: nos colocar em contato com mais bolhas divergentes do que gostaríamos que existissem. Além disso existe o efeito de aproximação excessiva dos nossos contatos que nos revela que pessoas que fazem parte de algumas das nossas bolhas vivem também em bolhas conflitantes com as nossas. Por exemplo, podemos descobrir que vários amigos que gostam de Star Wars tem posições diametralmente opostas às nossas em questões políticas, de gênero ou religiosas.

Cinco – Do problema do problema das bolhas

Se o senso comum é de que as bolhas nos alienam da realidade e a realidade está mais próxima do oposto temos um grande problema de dissociação que compromete nossa compreensão do mundo.

Seis – Do nosso futuro por causa das bolhas

Considerando que os efeitos das bolhas estão mais próximos do que apresentei aqui podemos construir duas linhas de hipóteses.
Na esfera pessoal teremos que desenvolver nossa empatia para entender as bolhas alheias enquanto nos tornamos mais tranquilos e flexíveis em relação às nossas próprias bolhas aprendendo a andar em terrenos ideologicamente mais fluidos. Isso implica em um novo estágio de tolerância que consiste em não só tolerar as diferenças, mas experimentá-las podendo até adotar algumas delas em nossas bolhas. O século XXI será fluido e isso é bom.
Na esfera coletiva infelizmente devemos ter cada vez mais a ilusão de polarizações conforme nossas bolhas (que nos parecem maiores ou mais corretas do que realmente são) se chocam com outras que negam nossas bolhas. Essa ilusão de polarização pode criar uma grande bolha de miopia para problemas mais essenciais da nossa civilização como a questão da mudança climática ou a crise do sistema de representatividade política, sem falar em outras áreas que precisam de reforma como a cultura e a educação.
Isso não é o fim do mundo. Como sempre isso é o fim de um mundo e o começo de outro.
Uma outra grande bolha, em que muitos de nós vivemos, é a bolha do super herói que nos faz crer que a vitória da nossa bolha é crucial para a sobrevivência da humanidade (e que nossa voz tem grande poder sobre nossa bolha) e que devemos aniquilar as bolhas do mal.
Não há bolhas do mal, há somente uma infinidade de visões que, somadas, equalizadas constroem a nossa consciência coletiva.
Nem você, nem eu, nem mesmo esse ou aquele grupo organizado podem moldar essa macro-bolha de sete bilhões de humanos (e, quem sabe, alguns bilhões de Inteligências Artificiais). O que cabe a nós é organizar e ecoar nossas vozes compreendendo que a civilização, como sempre, achará seu caminho.

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