PROPOSTA FUVEST/VUNESP - O aceite da mestiçagem é um ideal/utopia que falta ao Brasil?
TEXTO 1.
Pergunta - O discurso freyriano
do brasileiro mestiço como modelo racial de boa convivência e entrelaçamento
entre “diferentes” ainda sobrevive no Brasil? Como vê esse discurso hoje no
país? O que ainda perdura e serve (ou não) para explicar nosso histórico
racial?
Resposta - "Freyre é um
clássico, não um leitor atual do Brasil. Há um aspecto importante que raramente
é lembrado. Freyre publicou “Casa-Grande & Senzala” em 1933. Ou seja: fez o
elogio da mestiçagem no momento mesmo em que o nazismo chegou ao poder na
Europa, com seu discurso ferozmente antimestiço, que levaria os judeus aos
campos de concentração. Isso é altamente relevante como postura brasileira no
horizonte internacional. De outra parte, é evidente que o olhar de Freyre, por
mais rico que seja, é o olhar do senhor de engenho. Então, a leitura de Freyre
tem de ser corrigida com a leitura de Florestan Fernandes. Mestiçagem não é
sinônimo de harmonia. Não exclui o conflito, nem mesmo o antagonismo. Mas
também não devemos nos esquecer da lição de Florestan, quando ele diz que a
construção de uma democracia sem barreiras étnicas ou sociais é o ideal mais
elevado que uma coletividade pode propor a si mesma."
Antonio Riserio, antropólogo e
escritor.
TEXTO 2.
As grandes bênçãos. – Voltaire dizia
que os céus nos deram duas dádivas a fim de compensar as inúmeras desventuras
da vida: a esperança e o sono. O austero Kant endossou a apreciação, mas
sugeriu que ele poderia ter adicionado o riso à lista. O elenco, quem haveria
de negar, é digno de respeito, porém não deixa de trair uma geografia estreita
e parcial das nossas fontes de alento e ânimo vital. Nele se reflete, penso eu,
uma predileção do espírito pouco afeita à sensibilidade mediterrânea ou
tropical, ou seja, a formas de vida mais receptivas à fruição e deleite na
órbita dos sentidos. Não deixa de ser sintomático que a nenhum deles tenha
ocorrido incluir a música, o vinho ou o sexo (não necessariamente nessa ordem)
entre as bênçãos da vida sublunar. –
Eduardo Gianetti da Fonseca, em Trópicos Utópicos.
TEXTO 3.
EDUARDO GIANNETTI | ECONOMISTA E FILÓSOFO
“O Brasil ideal não é um país do
hemisfério norte. Temos que valorizar nosso dom de celebrar a vida”- Economista,
que lançou o livro 'Trópicos Utópicos', diz que a sensação de fracasso do país
é passageira - Defende que é possível se desenvolver sem abrir mão dos valores
e particularidades nacionais.
Poucos intelectuais brasileiros
compatibilizam duas facetas que, ao menos para algumas pessoas, parecem ser
antagônicas: a de um economista liberal atento à realidade política e econômica
e a de um filósofo defensor das particularidades brasileiras. Eduardo Giannetti
da Fonseca (Belo Horizonte, 1957) é um deles. Aos 59 anos e após uma etapa como
assessor econômico da ex-senadora Marina Silva (Rede) durante a campanha
presidencial de 2014, acaba de lançar o livro Trópicos Utópicos (Companhia das
Letras). A obra, dividida em quatro partes e composta por aforismos, critica
vários aspectos da vida humana e do ocidente em particular (economia, política,
meio ambiente, religião, entre outros) para em sua parte final idealizar um
Brasil que se apresenta como alternativa aos modelos já conhecidos; uma nação
que percorre o caminho rumo ao desenvolvimento pautada pelos seus próprios
valores.
O tema é um dos preferidos deste
economista, formado em Cambridge e professor do Insper, há algumas décadas. Em
uma entrevista a Caetano Veloso no programa Roda Viva em 1996, Giannetti
perguntou ao cantor baiano sobre a possibilidade de o Brasil chegar a "uma
ordem civilizada" ao mesmo tempo em que preserva suas características
culturais mais marcantes, como a "alegria de viver", e levantou a
hipótese de que a civilização “entristece a alma”. Na última semana, abriu a
porta de sua casa ao EL PAÍS para ele mesmo, sempre de maneira didática e ao
mesmo tempo assertiva, responder esta e outras perguntas.
Pergunta. Mudou de ideia? Ou
ainda acha que nossa alma pode se entristecer à medida que o Brasil alcança o
desenvolvimento?
Resposta. Continuo achando que é
uma ameaça. A civilização é acompanhada de um crescente mal-estar do ser humano
consigo. Naquela época estava com a obra O Mal-estar na Civilização, de Freud,
na cabeça. E pensava: a utopia brasileira é a civilização sem o mal-estar. Mas
a essa utopia corresponde uma distopia, que é o mal-estar sem a civilização.
Quando eu estou muito melancólico em relação ao Brasil, acho que podemos ter o
mal-estar do civilizado sem ter alcançado o padrão de convivência, de conforto
e de segurança que a civilização permite.
P. Acha então que corremos este
risco?
R. Acho que sim, mas ninguém pode
dizer que tem certeza do que será. O que estou fazendo no livro é me
perguntando se existe um sonho brasileiro que nos une. E tentando elaborar com
base na história do pensamento e da experiência brasileira o que poderia ser
esse sonho, à luz de uma crítica ao ocidente, que está em crise. Se não
exercitarmos a faculdade do sonho coletivo, não temos nenhuma chance. E me
chama atenção que a tradição brasileira de intérpretes do Brasil é muito
retrospectiva, sempre buscando nossa identidade no passado, na história, na
formação, nas raízes... E um país que sempre se imaginou do futuro exercitou
muito pouco a sua faculdade utópica e a sua visão de futuro compartilhado.
Tento fazer esse movimento no livro. Se tudo der certo, o que é o Brasil? Um
Estado do sul dos EUA, do sul da Europa... Ou é alguma coisa original na qual
se misturaram elementos ocidentais com elementos de culturas não-ocidentais de
forma única, com a possibilidade de ter algo a dizer ao mundo?
A Inglaterra da época do
Renascimento tinha toda uma linhagem de utopistas. A de Thomas More está
fazendo 500 anos. Nos EUA, o sonho americano foi algo muito elaborado
coletivamente, embora a expressão seja recente, da época da grande depressão. O
Brasil quase não fez isso ainda. Um dos que mais fez este movimento, mas de uma
forma muito desorganizada e muito anárquica, foi o Oswald de Andrade.
[https://brasil.elpais.com/brasil/2016/07/22/politica/1469207930_487623.html]
Escreva uma dissertação-argumentativa
sobre a pergunta-tema: O aceite da mestiçagem
é um ideal/utopia que falta ao Brasil? Argumente, explique e exemplifique seu
ponto de vista.
Comentários
Postar um comentário