Tântalo, a Imprensa, o [Des]Governo



Tântalo, a Imprensa, o [Des]Governo

Zeus condenou Tântalo a um pesadelo perene por seus abusos (tentara roubar néctar e ambrosia, alimentos que o tornaria eterno, de um jantar no Olimpo). No mito grego, o ex-mortal (Tântalo) fora condenado a viver preso em um lago com frutas acima da cabeça e água até o pescoço. Se quisesse beber, o lago abaixava; se quisesse comer, os ventos afastavam a comida da boca. Parece ser esta a mesma condenação que a Imprensa dá ao povo: iludindo-o eternamente.

O Papa Francisco, que vem se tornando o maior estadista do mundo contemporâneo, hoje chega nos EUA depois de ter passado por Cuba, disse há um mês na Bolívia que a América Latina vive "uma ditadura sutil" que é o Capitalismo. Mas a frase mais bombástica não foi ao ar nas Grande Mídia brasileira: "Vivemos ainda um colonialismo, ditado pelo monopólio da mídia sobre os discursos". O que o Papa, esperto, está dizendo é que muito do que se lê, se vê, e principalmente se assiste na mídia brasileira é manipulado, é mastigado e tendencioso. A mídia brasileira ilude a fome de consciência que temos diante dos assuntos políticos, como os frutos iludem Tântalo.

Circula neste começo de semana uma foto de Eduardo Cunha, investigado na CPI da Petrobras, ao lado do Presidente da CPI, investigador da mesma CPI, assistindo ao jogo do Flamengo em Brasília no último fim de semana. Vivemos um Desgoverno. Cunha nos últimos 30 anos de carreira pública pode ter embolsado, segundo o Procurador da República, mais de 240 milhões de reais. Pouco se falou na mídia sobre o fato, pois o foco está na Lava a Jato e em uma caça partidária (única ao PT, quando deveria ser focada no PSDB e no PMDB também). Não há imparcialidade na Grande Mídia, há partidarismo. Há monopólio. Há colonialismo partidário, senão o "trensalão" estaria na mídia e a seca em São Paulo seria noticiada com mais ênfase (a situação é calamitosa). Estamos em um tempo em que temos sede pelo fim da corrupção, mas quando vamos beber a água do lago informativo se abaixa mais que os índices do volume morto da cantareira. A imprensa ilude como a água ilude Tântalo.

No último dia 18, o filósofo e professor da USP, Vladimir Safatle trouxe-nos duas visões que mostram que o buraco da imprensa e do desgoverno é mais embaixo,sendo que os ventos, que afastam as frutas na boca do Tântalo faminto, são manipulados pelos ricos. Safatle ataca a imprensa ao falar da falta de veracidade dela quando fala da CPMF: "Vejam, por exemplo, toda a hipocrisia em torno da CPMF. Eis um dos impostos mais justos que este país já teve, pois incide em quem mais usa o sistema financeiro, ou seja, os mais ricos. Os mesmos que tentam vender seus interesses de classe como se fosse interesse geral da população. Uma CPMF de 0,38%, por exemplo, renderia ao Estado R$ 60 bilhões."

Por último, o filósofo traz uma contestação e uma proposta fortes, que conversam com a tese de Thomas Piketty sobre a taxação das fortunas para conter a desigualdade e a corrupção no Brasil: "Nosso país não é mais um país de industriais e empresários. Ele é um país de rentistas, ou seja, de gestores do capitalismo patrimonial. Um país onde uma classe vive sem trabalhar, apenas gerindo suas heranças e aplicando seu capital. Tais rentistas não conhecerão crise, assim como o sistema financeiro com seus lucros bancários recordes."

Pode parecer não haver saídas para Tântalo, mas há saídas para o povo brasileiro, pois há a alternativa de desligar a TV e buscar os estudos e às ruas - contudo, ir às ruas não deve ser por um motivo manipulado pela GLOBO, pois assim viramos Tântalo, preso à sua eterna insaciabilidade pela verdade, e nós pela democracia.

[Fabrício Oliveira]



Texto na íntegra: A crise como álibi


Nos últimos dias, o Brasil tem acompanhado os debates a respeito do que fazer diante da crise econômica na qual estamos. Uma certa narrativa parece ter se consolidado. Trata-se da imagem de um país em “fase terminal” devido ao desequilíbrio fiscal pretensamente resultante da “gastança pública”.

Neste sentido, não haveria outra saída a não ser aplicar a versão tupiniquim de um “choque de austeridade” baseado no “corte corajoso de gastos”. Mesmo esta Folha, em editorial no último domingo (13), conclamou o governo a adotar tal caminho através, entre outros, da: “desobrigação parcial e temporária de gastos compulsórios em saúde e educação, que se acompanharia de criteriosa revisão desses dispêndios no futuro”. Caso isto não ocorresse, não restaria à presidente, ao dobrar-se à crise, “senão abandonar suas responsabilidades presidenciais e, eventualmente, o cargo que ocupa”.

Mas o que significa o caminho proposto? De fato, certo equilíbrio fiscal pode ser alcançado desta forma, mas a que preço? Pois há de se perguntar sobre qual país nascerá ao final deste processo de ajuste. Diria que toda reflexão sobre a situação brasileira atual deveria partir do fim, pois há fins distintos que podem ser alcançados.

Um país desigual como o Brasil e que aceitasse rever o seu padrão de gastos com serviços públicos caminharia para a precarização ainda maior das parcelas mais desfavorecidas de sua população. Como não poderá mais ter serviços mínimos de saúde e educação, a camada mais pobre terá de trabalhar mais, isto em um contexto de flexibilização e ausência de garantias de trabalho. A crise seria apenas um álibi para a intensificação da espoliação de classe.

Por isto, implementar propostas que têm circulado ultimamente, como cobrança por serviços do SUS e mensalidades em universidades públicas, significa aprofundar a espiral de miséria. Diga-se de passagem, uma crise não precisa de cortes em educação. Ao contrário, é neste momento que os investimentos em educação são mais necessários e estratégicos pois são eles que permitirão a abertura de novos caminhos para a economia. Por estas razões, não é difícil perceber que o país que sairia depois de tal “austeridade” seria um país mais desigual, mais injusto e socialmente violento.

Alguns poderiam perguntar se afinal haveria outra saída. Ela existe, mas é sempre apresentada de forma caricata e distorcida, como se fosse o caso de não permitir que o país encare a brutalidade de sua injustiça social. Pois estamos a falar de um país, como o Brasil, no qual há uma parcela da população que desconhece a crise, que neste exato momento tem seus rendimentos garantidos porque aproveita-se da valorização obscena do capital oferecida pelo sistema financeiro com suas taxas criminosas de juros.

Nosso país não é mais um país de industriais e empresários. Ele é um país de rentistas, ou seja, de gestores do capitalismo patrimonial. Um país onde uma classe vive sem trabalhar, apenas gerindo suas heranças e aplicando seu capital. Tais rentistas não conhecerão crise, assim como o sistema financeiro com seus lucros bancários recordes.

Se quisermos fazer o Brasil sair desta crise sendo um país mais justo e igualitário será necessário encarar corajosamente, na verdade, a desregulação tributária vergonhosa a que nossa população está submetida. Fala-se que a carga tributária brasileira “é a mais alta do mundo”. Eis uma pura e simples mentira. Tentem saber qual a carga de países como Alemanha e França, por exemplo.

Na verdade, o Brasil é o país que tem a carga tributária mais injusta, pois ela incide basicamente sobre o consumo e produção, não sobre a renda. Os impostos estão nos produtos que compramos. Por isto, quem ganha menos paga proporcionalmente mais. Mais correto seria taxar a renda, as heranças, as grandes fortunas, os lucros bancários, obrigando os ricos a fazerem o que não fazem no Brasil ou seja, contribuírem.

Vejam, por exemplo, toda a hipocrisia em torno da CPMF. Eis um dos impostos mais justos que este país já teve, pois incide em quem mais usa o sistema financeiro, ou seja, os mais ricos. Os mesmos que tentam vender seus interesses de classe como se fosse interesse geral da população. Uma CPMF de 0,38%, por exemplo, renderia ao Estado R$ 60 bilhões. Perguntem quanto teríamos com imposto sobre grandes fortunas (tal estudo o governo brasileiro simplesmente nunca fez, por que será?).

O que é melhor: retirar a gratuidade do SUS, levar a classe média pobre a pagar universidades públicas ou obrigar os mais ricos a arcarem com a conta da crise?

Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de Filosofia da USP – Universidade de São Paulo. Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo.

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