Ouse mudar

 
O documentário "hiato" mostra o "rolezinho" feito em 2000 por moradores de rua e de periferia ao shopping Rio Sul. Além das imagens o curta-metragem traz entrevistas com os manifestantes.
A ousadia das pessoas, que visitaram o shopping naquela época, não era apenas uma crítica ao poder de consumo do qual foram excluídos, mas era escancaramento de que eles são tão humanos quanto os outros, por isso também têm direito ao lazer no shopping.
A fala de uma das manifestantes ao contar que precisou levar o filho ao sanitário do shopping para limpá-lo e algumas pessoas ("bacanas", como ela chamou) não queriam permitir, faz-nos pensar o que a tornou menor, com menos valor, que não tinha nem o direito de limpar seu filho.
Kant definiu o esclarecimento (iluminismo) como a saída do homem da sua menoridade, da qual ele é culpado. Quando vemos um ser humano, dotado de inteligência e privilégios devido a sua condição social abastada, tratar outro ser humano como menor é evidente que a esse falta-lhe a coragem de ousar, de se emancipar das regras ditadas por uma sociedade excludente e enxergar do outro lado um igual e não um menor.
O homem não chegará à completa maioridade enquanto temer pensar por si mesmo, enquanto não puder romper com a tutela do pensamento de um outro. Qual era a preocupação dos lojistas do shopping Rio Sul em 2000? Assalto? Imagem negativa para sua marca? Tal pensamento retrata o quanto estavam presos à tutela do pensamento limitado de que é a sociedade é assim: uns têm mais e os outros não, uns podem frequentar nosso shopping e outros claramente não. A ideia de que a sociedade é "assim e ponto" é falha, atrasada. O avanço está na ideia do que poderia ser, na ideia de contingência.
Ao ser contingente o homem abre oportunidades ao acaso, as eventualidades e assim emancipa-se das escravaturas do consumo, da moral imposta por ideais que prezam o benefício individual. Para tanto, falta as pessoas a ousadia de pensar e de fazer diferente. E o mais assustador é que o mesmo receio existente em 2000, ainda permanece em 2014.
 
Talvez tenha se modificado a ação e a idade dos manifestantes. Os jovens que fazem o rolezinho hoje depredam, causam mais barulho do que os moradores de 2000. Estão em número maior, devido a repercussão nas redes sociais. No entanto, a comoção que a presença deles causa ainda é reflexo da exclusão. Ainda temos paredes invisíveis que separam o pobre do rico e quanto a isso poucos ousaram mudar.


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