A Descoberta do Pecado se deu no Século XX


Se se pode responder uma pergunta sobre Ética após a Bomba Atômica, caberia vociferar que, definitivamente, o Homem descobriu o Pecado só no Século XX.

Pecado no sentido judaico-cristão é lido, etimologicamente, como uma transgressão à leis. Vem do Hebraico e do Grego 
(em hebr. hhatá; em gr. hamartáno e em latim, o termo é vertido por peccátu) que significam "Errar". No judaísmo tem uma significação ainda mais interessante: "O Homem é responsável pelo pecado porque é dotado de uma vontade livre ("behirah"). Podendo ser lido como "o abuso da liberdade". Serão nestes sentidos primeiros, que vamos entender o pecado, como erro ou falha humana contra a Ética (lei universal que se conduz pelo uso das inteligências a serviço do coletivo e está na base de toda e qualquer religião sofisticada e filosofia crítica).

Portanto, a definição torna-se pior quando pensamos nos Século XX e nas Ciências, pois o Pecado fora gerido, gestado, construído, manipulado em laboratórias e mesas, pensado, discutido por mãos da Razão Humana. Mãos do dito
Homo Sapiens-sapiens [do homem sabedor do seu saber, do homem sábio que sabe, do homem que usa da lógica para construir saberes e progresso]. 

Se fizermos um exame na História, veremos que o advento do Positivismo de Comte, no século XIX, gestou a arrogância humana e já previa mensagens do "pecado atômico", porque a crença na Lógica, na Razão, no Progresso, na Ciência tornara-se abusiva. O Positivismo influenciou governos militares. Forjou lemas em bandeiras nacionais. Escreveu Romances de Tese pelas penas do Naturalismo de Aluísio Azevedo, guiou o Determinismo Social que dizia com letras garrafais que o Homem É Fruto do Meio e Determinado pelo Passado. Fora também, lugar de crítica em todas as obras de Machado de Assis, o bruxo e o gênio do Cosme Velho, afinal Machado criticou várias vezes o Positivismo com personagens como Brás Cubas ou Quincas Borba, ou mesmo Simão Bacamarte (no conto "O Alienista"). Os gênios não se vendem e não se dobram a Positivismos, definitivamente. Assim fora com Machado, assim fora com Nietzsche e mais atualmente com Edgar Morin. Talvez sejam estes três gênios que nos trazem uma inversão na conta do século XIX e dizem de forma discreta e muito iluminada: o Homem é determinado pelo Devir, pelo que Sonha, pelo que planeja de Futuro! E não mais só pelo passado determinista, mas pelas possibilidades de um Devir com mãos no presente e na Ética.

Nietzsche talvez fora o primeiro pensador a formular o Futuro como pêndula valiosa da Ciência. Pois pensava o DEVIR, o mundo em transformação, em travessia, em um eterno retorno que constrói o ineditismo e o novo a cada movimento pendular das nossas escolhas. Por isso era um pensador da Moral, da Genealogia da Moral, para Além do Bem e do Mal; um pensador da tragédia e não um pensador do paraíso idealista de Hegel e Kant. Dizia-se um Filósofo Trágico e mostrou isto com genialidade. Em seu primeiro livro - "O Nascimento da Tragédia" - faz uma analogia entre Razão e Sensibilidade, guiados por dois deuses, Apolo e Dionísio, para explicar o movimento pendular na Arte e na Filosofia. Ora pendendo para as sinapses da Razão, ora pendendo para as cordas da emoção.  Assim foram os movimentos literários por esta lógica: o Classicismo, movimento extramente lógico, leve, métrico, antropocêntrico e racional, enquanto o Barroco, movimento radicalmente obscuro, pesado, religioso, exagerado, hiperbólico, antitético e emocional; ou o Arcadismo, equilibrado, campesino, delicado, europeizado e racional; enquanto o Romantismo, tempestuoso, onírico, perdido, urbanista e sentimental. Nietzsche sabia do movimento entre os dois mundos: um racional e outro emotivo. Fora assim que escrevera do Nascimento da Tragédia (por que não do Nascimento do Pecado?) e fora assim que ergueu um dos pilares do Pensamento Contemporâneo: A Filosofia do Devir.

Contudo, para fazermos um paralelo curto e breve, precisamos aportar na teoria da complexidade de Edgar Morin, pensador francês e ainda vivo, que depois de ler Nietzsche, Foucault, Deleuze, Guatari, Sartre irá moldar um conceito chamado "Homo Sapiens-Demens", que é o Homem, não mais é apenas sabedor de seu saber, mas o Homem Sábio-Louco, o homem sabedor de sua demência, o homem sabedor de sua infelicidade, fatalidade e de seu fenecimento, o Homem Siso e Sensibilidade, o Homem Lógica Matemática e Intuição Poética. O Homem Sapiens-Demens é um paradoxo fabuloso, é um misto de opostos, é a plena fusão do que há de mais organicamente humano  e potencial natural. Edgar Morin encontra o Humano do Homem e nos mostra como saída ética.

Homo Sapiens-Demens acaba sendo um conceito gravíssimo para a pergunta dos últimos 70 anos: afinal de contas, se hoje somos capazes de lançar um telescópio no espaço e alcançar um planeta habitável há 3mil anos-luz  da terra, chamado Kepler 452-B, e somos capazes de ter mais tecnologia nas mãos em uma Iphone 6 que na cápsula que chegou até Plutão neste ano de 2015, ou mesmo temos capacidade de  construir uma bomba com potencial de implodir a terra 2mil vezes, como se uma não fosse suficiente, por qual motivo, razão ou emoção não o fizemos ainda? 

A resposta é Ética.

Ao conjunto de usos que se faz das inteligências a serviço do convívio social, chamamos Ética, diria Clóvis de Barros Filho. Ao conjunto de diálogos que se faz entre o potencial da razão e igualmente da demência humana, chamamos Ética. Edgar Morin introduz uma reflexão salutar para toda a Ética, pois nos damos conta do simplório conceito de Homo Sapiens-Demens, que diz que somos perdidos em um planeta periférico (Copérnico), que não somos o centro da história, pois nela não há centro no sentido singular, mas centros no plural (Marx), que não somos donos da nossa própria casa ou consciência (Freud), que não somos divinos, mas evolução de uma espécie primata (Darwin) e que dependemos do Outro para nos completar socialmente, estética e eticamente (Mikhail Bakhtin). São estas as Cinco Feridas Narcísicas, feridas no Ego, de um ser que se achava Deus por ser dotado de Razão. 

O conceito de Edgar Morin é o que melhor explica nossa situação atual e nossa resposta aos últimos 70 anos após Hiroshima: entendemos que podemos cometer insanidades e até mesmo pecar em nome de um governo, uma ideologia totalitária ou hegemônica, ou mesmo em nome da Ciência. Quando o homem se deu conta que enlouquece, ou se deu conta que pode sair dos trilhos da razão, mostrou e prostrou-se reflexivo sobre o Futuro, assim fora com Machado de Assis ao escrever "O Alienista", pois Simão Bacamarte depois de notar que todos da cidade estavam enclausurados em seu Hospício, toma a definitiva e transloucada decisão de soltar a todos e prender-se a si na Casa Verde. Em uma clara atitude de tomada de decisão ética: pensou o coletivo, usou de inteligência (na acepção contemporânea, como sendo o misto de saberes e falibilidades).

A resposta para a pergunta dos últimos 70 anos é esta: O homem se deu conta de sua demência, falibilidade, arrogância, mortandade, de seu erro e de seu máximo pecado. O homem aprendeu que cientificamente peca. O Homem aprendeu o Pecado.

E por este Pecado, a humanidade, ainda gane de dor, de horror e em respeito se deu conta que é preciso fazer melhor aos outros, do que sonhou um dia fazer a ela própria. 

Sim! Somos Sapiens, mas somos Demens, e hoje conseguimos planejar um Devir, mesmo após a descoberta do Pecado, pois parece que temos uma virtuosa vergonha ou propícia culpa, que podemos dar o nome de Responsabilidade (entendida como Resposta) com o Devir.

Somos Livres, definitivamente, para escolher nossas Responsabilidades e Respostas, mas hoje Somos cada dia mais Responsáveis pela Liberdade das Questões de muitos. 

E parece ser esta é nossa maior Demência, pois é ela nossa mais vasta Sabedoria.

É como se se  estivéssemos descoberto o pecado no Século XX. E nos envergonhássemos todo dia dele, mesmo sem precisar dizer. Talvez isto explica (impressão minha) a evolução civilizatória que se deu  no Japão e na Alemanha no decorrer do Século, pois são duas potências mundiais que se envergonham de suas histórias e atrocidades recentes. Aprendamos com eles em humildade e potência, pois ambas andam juntas como Sabedoria e Demência.  



Indicação de Leitura:
Amor, Poesia, Sabedoria - Edgar Morin.
O Nascimento da Tragédia - F. Nietzsche.
Crepúsculo dos Deuses - F. Nietzsche.
Estética da Criação Verbal - M. Bakhtin.
O Existencialismo é um Humanismo - J-Paul Sartre.
O Alienista - Machado de Assis
Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis
O Cortiço - Aluísio Azevedo



Fabrício Oliveira, 36, é doutor em Linguística e Filosofia da Linguagem pela Universidade Federal de São Carlos e Coordenador de Redação do Poliedro, Vila Mariana.

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