Exemplo FUVEST: muito acima da média. Tema: "Camarotização"

Já ouviu falar de Redação harmoniosa?

Redação harmoniosa é um modo de chamar aquele texto que o bom uso da língua portuguesa faz transparecer a autoria e a autonomia de pensamento do vestibulando.

Apesar de algumas falhas na própria língua, ou mesmo em conceitos, como chamar de "clássicos literários" duas obras da história e da antropologia, ainda assim o texto é harmonioso e transparece o que é mais importante em uma redação de vestibular: a autoria.



Exemplo de redação muito acima da média:

"Elitização perniciosa

No sentido literal, a distância que separa um camarote do público em geral é de apenas alguns metros. Contudo, tal disposição dos espaços assume a conotação de um abismo social. O acesso das camadas mais populares ao que antes era exclusivo da elite potencializou o fenômeno da “camarotização” no Brasil. A aversão à mistura é resultado de um histórico de desigualdade social no país. Dessa maneira, é pertinente inferir que a segregação dos ambientes revela o anseio por distinções em uma sociedade carregada de notória estratificação social e esvaziada de democracia. 

Cunhado pelo filósofo político americano Michael Sandel e traduzido do inglês “skyboxfication”, o neologismo está associado a outros três termos no contexto brasileiro: distinção, desigualdade e segregação. O impulso de distinção diz respeito a se apresentar ao mundo pelo consumo, de forma a se diferenciar. Já a desigualdade e a segregação são crônicas no país, retratadas,  inclusive, em clássicos literários, como “Casa-grande e Senzala”, de Gilberto Freyre, e “Raízes do Brasil”, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, ambos ilustrando uma constante ruptura da isonomia.

Todavia, os recentes avanços na distribuição de renda agregaram novos componentes aos conflitos entre classes. O acesso de estratos sociais e nos abastados a aeroportos, shoppings e a bairros nobres através do metrô diverge dos interesses daqueles que já usufruíam dessas vantagens. Esses indivíduos buscam preservar seus ambientes porque não os entendem como privilégios, mas como consequência do mérito. Uma amostra de efeitos nocivos da camarotização é perceptível na qualidade do ensino discrepante entre escolas públicas e colégios de elite, conjuntura esta que faz acentuar a disparidade socioeconômica das gerações futuras, denegrindo a democracia. Outra ilustração do aviltante fenômeno foi a repercussão negativa dada aos rolezinhos, apropriação democrática de espaços públicos privilegiados por jovens e baixa renda, rechaçados em uma nítida violência simbólica. Esse processo de segregação se traduz na negação do outro e na convivência com ele, coibindo assim a igualdade de direitos prevista em uma sociedade democrática.

A partir de uma análise criteriosa, torna-se possível inferir que a camarotização representa uma ameaça à democracia, uma vez que o regime exige que os cidadãos compartilhem uma vida comum. Dessa maneira, é necessário que pessoas de contexto e posições sociais diferentes se encontrem e convivam no cotidiano a fim de que respeitem as particularidades do outro e zelem pelo bem comum." [sic]


Tema FUVEST 2015: "Camarotização": segregação social brasileira e a democracia.



Note a tese no primeiro parágrafo: "é pertinente inferir que a segregação dos ambientes revela o anseio por distinções em uma sociedade carregada de notória estratificação social e esvaziada de democracia."

Note o argumento dialogando e sustentando a Tese, no segundo parágrafo, com um argumento de autoridade escrito anteriormente:"
O impulso de distinção diz respeito a se apresentar ao mundo pelo consumo, de forma a se diferenciar. Já a desigualdade e a segregação são crônicas no país."

Note os exemplos e as noções de realidade e concretude: O conceito de Sandel, os livros de Giberto Freyre e Sergio B. de Holanda e os exemplos cotidianos do Rolezinho e dos Shoppings.

Note a autoria e o pensamento que vão direto ao ponto levantado pelo tema e a coletânea: o bem comum: "
torna-se possível inferir que a camarotização representa uma ameaça à democracia, uma vez que o regime exige que os cidadãos compartilhem uma vida comum."


Texto harmônico e em 30 linhas. Um belo texto. Autoria de primeira.



Nota: 8,5

A- Tema, conteúdo e analogia: nota 3,0 de 4,0 pontos possíveis.
B- Estrutura e coesão textuais: nota 3,0 de 3,0 pontos possíveis.

C- Linguagem: nota 2,5 de 3,0 pontos possíveis.




obs: O nome da aluna de 19 anos, autora do texto, fica preservado para não gerar indevidas exposições.

[Fabrício Oliveira, Doutor em Linguística e Filosofia da Linguagem pela Universidade Federal de São Carlos e foi Coordenador  Geral de Redação do Poliedro - São Paulo (entre 2011 e 2016). Hoje é Professor do IFSP - Instituto Federal de São Paulo e Colaborador do Colégio Ser - Poliedro, em Sorocaba/SP.]



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