A "Luz balão" do Altruísmo e o Pensamento a longo prazo


"Luz balão" é a última expressão de um poema de João Cabral de Melo Neto, que de tão contundente e poética, acaba saltando aos olhos como uma espécie de neologismo. Talvez seja ela a abstração final de um pensamento altruísta e a longo prazo do poeta, que descreve uma manhã tecida por "gritos de galo", uma aurora planando "livre de armação", um alvorecer "teia tênue", ou seja, acaba sendo ela a expressão que finaliza o tecer do amanhã (pensamento a longo prazo) como sendo uma "manhã, toldo de um tecido tão aéreo/ que, tecido, se eleva por si", como sendo, esta, uma forma sutil e imperceptível, a que chamamos de altruísmo, no mundo contemporâneo.

O poeta pernambucano, a priori, é de difícil entendimento e leitura, poeta cerebral que adorava silepses, hipérbatos, zeugmas; mas o que ele está dizendo no poema é algo de simples entendimento: o altruísmo e o pensamento a longo prazo existem no mundo contemporâneo, pois "um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos". João Cabral está invertendo uma conta. Uma conta comum e que ilude nossos olhos. A do Capitalismo que exerce, vende e lucra com a ideia do individualismo exacerbado. O altruísmo não vende, mas o individualismo sim. O pensamento a longo prazo não dá lucro, mas o imediatismo sim. Um sujeito que vive de seu individualismo, vive cercado por seus medos, pois tem medo de perder o que ganhou, medo de ter débito no que trabalhou e por isso cerca-se com muros altos, câmeras de vigilância, senhas de wi-fi, carros blindados e estimulantes de desempenho. A "Indústria do Medo" lucra fabricando mais terror, e esta é a lógica do capitalismo. Fabrica seus monstros e vende os antídotos. João Cabral inverte esta conta dizendo o simples:  o altruísmo é uma tenda, onde entram todos, sem exclusão, sem medo do outro, sem medo do contato com o diferente. Um valor inalienável para a democracia e para a luta pelo bem comum.

No meio disso tudo é preciso entender que há uma magnífica capacidade de abstração na poesia, como na Física de Copérnico, na Arquitetura de Brunelleschi e na Filosofia de Nietzsche, capaz de solucionar ilusões da realidade. A poesia até parece dizer, parodiando Saint-Exupéry: o invisível não se vê com os olhos, mas com a abstração. Por exemplo, não há astrofísica copernicana capaz de dissuadir nossos olhos da ilusão de que poderíamos estar ainda em um mundo geocêntrico (terra como centro do universo), pois até hoje parece que estamos parados em terra e o sol é que se move em nosso entorno. Basta ficar parado, para se ter a "certeza" de que Copérnico estava/está errado. Mas ficar parado irá apenas te dará a perspectiva linear do renascentista Brunelleschi, na catedral de Firenze, e te tirará a Filosofia do Devir de Nietzsche como ponto de luz e transvaloração do erro que é apenas ver de um modo superficial, como requer o imediatismo. Por isso se ainda assim enxergamos, que o mundo é geocêntrico e estático, muito da nossa capacidade tecnológica e científica não servira para nada nos últimos 500 anos e próximos 50 séculos. Portanto, temos que abstrair o mundo para desfazer as ilusões dos olhos e dos discursos, assim é com a tônica que diz que o altruísmo não tem mais espaço no mundo contemporâneo, quando só em 2014 o número de trabalho voluntário no Brasil cresceu 50%, segundo dados da ONG Vivo Brasil voluntário, envolvendo cerca de 11% da população nacional e na Finlândia envolve 81% dos escandinavos. Ou mesmo o Greenpeace que luta por questões ecológicas no mundo ganha adeptos 10% a mais por ano há 20 anos. Existem muitas formas no mundo hoje de pensar a longo prazo e as ONGs estão aí para prová-las.  Há tempos o homem notou que precisará de outros "gritos de galo" e "de um que apanhe esse grito que ele/ e o lance a outro".


Definitivamente há, para o altruísmo e pensamento a longo prazo, espaço no mundo contemporâneo. Só é preciso saber inverter a conta, abstrair melhor o mundo, apesar do Capitalismo e da "Indústria do Medo", e é preciso ler bem um extraordinário poema que diz que temos que ter "fios de sol" e "gritos de galo", ou seja, que precisamos de atitudes humanas: "que com muitos outros galos se cruzam/os fios de sol de seus gritos de galo/ para que a manhã, desde uma tela tênue,/ se vá tecendo, entre todos os galos." Cuja obra final pode descrever-se nestes dois últimos versos: "A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se eleva por si: luz balão." 

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